sexta-feira, dezembro 07, 2007

transformação artístitica

Despojado das horas não consagradas ao seu subnutrido intelecto, no fim de um dia consumido pelo aproveitamento, o sujeito recostou corpo e culpa nas fazendas que revestiam seu leito.

Ali, sobre a textura passiva dos tecidos artificiais, contemplando os volumes literários adormecidos na estante, reuniu os personagens que lhe representavam no dia-à-dia tal como, fora de cena, o diretor teatral solicitaria a presença de seu grupo de farsistas.

Condenou-se por enfrentar a vida à maneira que o ator afronta o tablado. Absolveu-se por não querer ser assim.

Havia muitas máscaras para subtrair. Protagonistas de comédias ou coadjuvantes de tragédias, eram todas suas. Eram ele nos mais variados arquétipos extraídos de sua singularidade. Adaptações moldadas pelo cenário e por toda a sorte de gente que adornavam os espetáculos verídicos em que ele contracenava.

Dissolveu-as. Dissociou as ações dos anseios para, constitutivamente, encaixar as peças que personificariam novamente a criatura que imaginava ser.

Explorou-a. Pacificou-lhe as contradições. Aliviou os pesos que carregava mutilando as importâncias que outrora havia aceitado sem contestar.

E, como à uma paisagem estéril, confrontou-se.

Não havia elevação ou subordinação para com nada. Consentia em sentir-se medíocre.

A vida se mostrou para ele como um suícidio lento, no qual preconceitos e prazeres eram subsídios que sustentava para apegar-se à ela por mais tempo.

Não discordou. Retribuiu-lhe com o sorriso de quem já sepultara alguns vínculos.

Desmistificada, ela lhe devolveu o gesto com a consciência do tempo que passa.

Assustado, sentiu-se agitar pela insignificância de pensar que existia, apenas.

Deitou a pena nos papéis e escreveu. Escreveu e quedou-se. Propagou-se. Perpetuou-se.

Cada despertar (con)textual que sucedeu àquele, tencionava dilatar a efetividade do seu ser. Mas, então, como uma idéia insensata a torna-se fatídica, retornava aos palcos da sua rotina.

Porém, recusava agora atuar de vítima. E, um dia, rejeitaria de todo a obrigação de representar. Haveria de continuar improvisando, mas seria, daquele momento para sempre, o escritor da história.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Into The Wild

Primeiro, vieram as linhas:
Jon Krakauer é americano, alpinista e escritor. Escreveu a deliciosa história, em formato paperback (brochura), sobre a vida de Christopher McCandless e cujo título encabeça este post.

No Brasil, traduziram-na por “Na Natureza Selvagem”. E, é claro, lançaram-na no famoso formato “contemporâneo e oneroso”.

Apenas quero desejar à ti, passante, que tenhas um dia entre tuas mãos um volume assim estimulante. Desejo, também, que tenhas tempo livre de tuas obrigações cotidianas para leitura tão modesta. E, por último, que encontres, em teus mesurados sentimentos, pulsação suficiente ainda para entenderes o que te estou à desejar.


Depois, veio a película:
Sean Penn é um ator magnífico, mas nas filmagens de Into The Wild ele fez as vezes de diretor e roteirista: adaptou o livro para o ecrã e repintou zelosamente as cenas dos acontecimentos.

Só isso. Sem críticas ou spoilers. Apenas o instigante voto indicativo de quem enamorou-se com o movimento que o cinema deu à aventura.

Quem o aceitar, no entanto, terá de esperar. A data para exibição no Brasil será, de acordo com o site, no dia 31 de Dezembro. Não indico releases digitais porque só há um TeleSync de má qualidade atualmente disponível.

Err... digo, porque é pirataria e isso é crime, hein!

Por fim, surgiu o som:
Os eufóricos fãs da Pearl Jam andam gritando aos quatro cantos que Eddie Vedder, o simpático vocalista da banda, lançou seu primeiro trabalho solo. Mas a coleção de 11 faixas, que leva também o rótulo Into The Wild, não é, no sentido fiel da palavra, um trabalho solo. É, na verdade, uma autêntica trilha sonora com participações adequadamente selecionadas.

Ao todo, são aproximadamente 34 minutos de músicas marcadas por vocais bem explorados e, em sua maioria, curtinhas e perfeitamente coerentes com o filme do qual são, de acordo com o ensejo, os acordes de fundo ou a expressão musical.

Quero avisar que livro, filme e coletânea musical são obras quase complementares de uma história verídica. Silencio, porém, sobre seus detalhes.

A faixa que ofereço, adiante, tem a letra assinada pelo músico Jerry Hannan e a versão digital disponibilizada por alguém que não conheço. Escolhi-a porque evidencia o teor do contexto sem revelar os desdobres do argumento. Além disso, é encantadora e só ela já vale um post!




à esquerda, foto tirada de Christopher McCandless
à direita, cena do filme Into The Wild

sexta-feira, novembro 09, 2007

de omnibus dubitandum

O que eu quero reiterar é que toda sociedade, até hoje constituída, da qual temos conhecimento, sustentou-se na geometria pirâmidal em que poucos pensam por muitos. E, dessa forma, decidem por eles. Seja direta ou indiretamente. Cônscia ou inconsideradamente.

A pergunta então é simples: o que faz um homem ser uma personalidade em algum ramo da reflexão humana?

Por ordem: Seu estudo amplo e profundo em determinado tema e o sucesso em estabelecer suas considerações sobre isso.

Em outras palavras, ele precisa se tornar uma autoridade no assunto. É preciso que uma maioria lhe dê crédito. Para isso acontecer não há fórmula que não passe pela subjugação do pensamento alheio à certezas particulares.

Essas certezas, principalmente no diz respeito às ciências não-exatas, mas não exclusivo à elas, fundamentam-se inicialmente em crenças pessoais que só conseguem ampla receptividade nos calcanhares da generalização.

Seus arautos, muitas vezes, precisam depositar “pedras” sobre um assunto para alcançar o máximo possível de uma sensação de veracidade. Essa necessidade, possivelmente, ganhou força pelas delimitações feitas no conhecimento humano, as quais titulamos de campos de estudo científico.

Ora, toleremos os vícios, é singularmente inviável tratarmos o conhecimento como ele o é: uma variável aberta e à tudo interligado; Eternamente incompleto, indefinido e multidisciplinar.

O que eu quero dizer é que, em prol da reputação de uma ciência-porção, reprovo a aceitação de qualquer tipo de conhecimento pré-estabelecido como sendo um parecer absoluto. E, quanto mais dogmático for, mais suspeitas jogarei em cima dele.

As ciências se tornam obsoletas quando deixamos de questioná-las. Todos nós: autores e leitores. Gosto dos autores renomados e esse post passa longe de ser uma crítica. É , quando muito, um recordar de que eles são humanos. Tanto quanto o somos nós.

Um filósofo desinibidamente desconfiado me advertiu: sendo a filosofia o amor [filo] ao saber [sophia], o filósofo só existe enquanto leitor. O pensador amará à sua filosofia mais que qualquer outra. Estranho seria justamente ele negar isso.

Sou simpática à crenças mas, sobretudo, as que não se julgam verdades. Gosto das celebridades por trás dos argumentos mas, especialmente, daqueles que conseguem duvidar facilmente de si mesmos.

Para mim, de omnibus dubitandum [de tudo duvidar] é algo para apostar.

Mas eu é que não vou entrar na fila, que já há muito se formou, para por pedras sobre esse assunto. Isso é o que eu penso e, sendo assim, é o que eu tenho à dizer.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Diário De Uma Babá - Parte II

Deb é a forma reduzida para Débito, verdadeiro nome do felino doméstico ao qual passei três agradáveis semanas tratando. A dona explica que a origem do nome é o fato de ter recibido o gato em troca de um favor que fez à um casal de amigos. Antes que ela escolhesse um nome, sua mãe já tinha alcunhado o filhotinho de débito e ficou por isso mesmo.

Durante os dias em que tivemos de conviver, notei que Deb adiantou uma das suas horinhas de soneca diárias para ajustar com uma das minhas horinhas de leitura pontuais.

O momento consistia em eu - para aproveitar a iluminação da rua sobre o livro - me sentar em frente à vidraça da sala e ele - para espiar o movimento do lado de fora - subir na cadeira comigo. Esses instantes de vigia exterior foram ficando cada vez mais curtos e, ao que parece, a alternativa de se esparramar no meu colo e cochilar com carinhos, entre uma virada e outra de página, foi ficando mais atrativa.

Quanto à plantinha com problemas sentimentais, não pude evitar o pior: está tão enferma que receio não ser possível mais a recuperação. Me sinto prostrada, mas não culpada, porque tentei de tudo: conversas ao pé das folhas, retira do pó acumulado, uma tarde no jardim florido do restaurante que fica ao lado, televisão programada para ligar na hora da novela, o disco compacto "III" do Led Zeppelin (funciona comigo desde os meus dezesseis) e "Also Sprach Zarathustra" de Strauss.

Nada! Nem uma reaçãozinha da doce alstroeméria que agora não exibe mais nenhuma flor. Cheguei a sugerir à dona que colocaria ela ao telefone com a planta, coisa que provocou risadas em nós duas. Ela se angustiou em garantir-me que tinha acertado em todas as dosagens de àgua e sol que me foram confiadas, e eu me consolei em aceitar isso.

Amanhã já não terei mais de me inquietar com esses compromissos, mas fico com a certeza de que sentirei falta e irei me inquietar com o pensamento de que não tenho, e ainda não posso ter, companhias como essas na minha vida.


I don't know how I'm gonna tell you
I can't play with you no more

quinta-feira, outubro 04, 2007

Diário De Uma Babá - Parte I

“Ele não é um doce de lidar, mas vai saber recompensar seus cuidados!”

Quando minha amiga me deu esse aviso, não pude figurar o quanto de relevância havia nessas palavras. Ela estava falando do seu gato de estimação de um ano e meio, que precisaria de uma babá até ela voltar de viagem.

Deb me recebeu desinteressadamente, mas sem fazer pouco caso das minhas atenções. No início não se deu à afagos, depois, ao entender que eu não iria desistir dessa forma de comunicação, passou a recebê-los e à retribuir-me aos poucos os carinhos.

Testou, ainda, minha paciência com reclamações sobre onde deveriam ficar as almofadas e quanto tempo ele podia ficar na janela. Assim que percebi que era preciso respeitar seu espaço, nos entendemos sem maiores dificuldades.

É preciso também regar as plantas: cinco samambaias, três bromélias e uma formosa alstroeméria. De todos os seres-vivos esse último parece ser o que mais sente à falta da dona: logo no terceiro dia já contraíu-se em solidão.

Alguém por aqui entende de psicologia vegetal?

domingo, setembro 09, 2007

Felicidade ou sorte!

Prosa vai, prosa vem, ela comparece: a felicidade, objeto irresistível de diálogos ociosos.

Tudo começou porque este amigo acabara de ler Albert Camus e minha mente, sempre muito evoco-associativa, trouxe à tona um pensamento avulso do mencionado autor, que legislava sobre a busca da felicidade assim:

"You will never be happy if you keep searching for what happiness consists of."

Acontece que eu descordo. Mais que isso, eu praticamente não defendo nenhum dos prolóquios sobre a felicidade que eu já lí, ouvi ou tentei cunhar na minha vida. Perece-me que aproximam-se prejudicialmente da obviedade e/ou afastam-se demasiado da amplitude do vocábulo.

Isso porque essas sentenças empenham-se em revelar-lhe um significado à partir de sensações pessoais que, mesmo quando servem-se de um parecer comum à maioria, figuram unicamente como simplificações à prestar exemplo. Exemplos são bons modelos para instrução, é claro, mas falham ao despojar o estímulo à analise satisfazendo a razão precipitadamente.

Camus foi um pensador de grande expressão, desconheço o quê o levou à concluir a máxima antes citada, mas o que me leva à divergir dela é, sobretudo, uma admiração pela capacidade humana de reinterpretar os ingênuos enganos cometidos pela nossa reflexão ao longo dos séculos.

A exemplo, temos o fato de termos etiquetado com uma só palavra o fruto de inúmeras emoções e seus efeitos. Felicidade, como estado momentâneo de humor, é um mesclado de privação que se converteu usufruto, um sobressalto que afincou sossego, um recear que arranjou confiança, um bocado de dantes que encontraram depois. E quem não conheceu o antes, basta pensar que ele existe para sentir-se bem com o que desfruta. E quem não conhece o depois, basta imaginar que ele existe para sofrer sua abstinência.

Por causa dessa diferença de intensidades, divididiu-se a palavra em duas. Sim, porque estar triste ou feliz são gradações interpretativas de uma mesma sensação em relação à acontecimentos externos. Assim como o são todos os sentimentos que sugerem antítese gramatical.

O glossário que o homem produziu, para lhe servir de locução entre seus semelhantes, vinculou-se à pluralidade de experiências decorridas e contraiu novos sentidos.

Eis que surge o equívoco mais viroso que adoece a humanidade até os dias de hoje: a acepção da felicidade em relação à existência de um sujeito dentro de sua sociedade.

Ora, a sociedade pode ter nascido de uma necessidade de sobrevivência, mas a civilidade nasceu da vontade de se manter essa sociedade unida. Para isso foi preciso mudar os valores naturais do homem para valores artificiais coletivos. Ser feliz ou infeliz é tão sintético quanto o querer usar roupas coloridas em um dia quente de verão!

Só que isso não é a principal cilada sobre a felicidade, sua maior deformidade é essa idéia de ventura unificada que nos faz querer uma prosperidade que só existe em homogeneidade para fins ilustrativos da linguagem.

Ninguém é somatoriamente feliz ou infeliz, a felicidade se decompõe nas esferas em que sustentamos nossa existência. Seja profissional, relacional, recreacional, elas não se movem eqüipotencialmente. E se o fazem com certa simetria, é singular evento de duração assaz suscetível.

Mas não acontece, algumas vezes, que o contentamento excedente de uma parece suplantar a insuficiência de outras? Claro, assim como um condoer-se de uma pode ofuscar os êxitos de outras a ponto de destituir-lhes o propósito.

Conquistar uma fortuna em uma esfera não garante a felicidade para ninguém. O homem precisa saciar a vontade de sentir-se satisfeito e, essa vontade, reclama uma harmonia na direção em que seus esforços estão sendo concentrados ou distribuídos.

Não se trata, então, de uma mera casualidade de apreciar aquilo que já se tem, mas, sim, um constante e íntimo deliberar sobre suas vontades e fiéis intenções, bem como as trilhas e as renúncias que podem ser feitas para correspondê-las.

Ser infeliz em uma ação, em um dia, com determinada habilidade não é propriamente ser infeliz. Se não conseguimos realizar uma coisa e isso nos desgosta, encontremos alguém que nos ensine, treinemos mais ou achemos uma excelente desculpa para desistir. O que nos contentar melhor.

Porém, se a dificuldade é não nos sentirmos felizes e não saber ao quê culpar, aqui vai algo para pensarmos:

O valor de uma ambição é fundamentado em méritos sociais e morais fabricados em prol do progresso de uma sociedade. Mesmo nosso desejo mais honesto de realizar alguma obra é influenciado pelo quê o homem decidiu que era importante entre os homens.

O movimento filosófico, político e econômico de uma coletividade é conduzido por homens presos à considerações morais que tentam enfraquecer a sagacidade da compreensão individual para negar-lhes a jurisprudência da deliberação e até mesmo do arbítrio.

Contudo, não levanto essa intriga para que nos tornemos anarquistas, mas para que não compremos felicidades superfaturadas com falsas importâncias, porque elas nos persuadem à abdicar de coisas que nos são particularmente valiosas.

Há muito tempo viemos aprendendo a valorizar as coisas pelo preço que temos de pagar por elas, isso nos leva, algumas vezes, à cometer erros de avaliação que distorcem a estima, colocando em segundo plano aquilo que já deveríamos ter aprendido a priorizar.

Afinal, não somos apenas cidadões que precisam ser úteis para uma sociedade que não cessa de se desenvolver. Também somos anônimos, executantes e aprendizes na grande maioria das coisas em que não nos tornamos bons, mas que nos proporcionam o desenvolvimento pessoal necessário à sensação de ser feliz.

Favorável à reduzida felicidade da qual padecem aqueles que colhem um pungente revés, menciono um filete de roteiro do filme Los Amantes del Círculo Polar, que me foi indicado por alguém que, pretendendo ou não, ao cruzar-me o caminho, provocou-lhe significativas mudanças:

"Los disgustos de la vida hay que aceptarlos con buen humor. Porque igual que vienen, se van. No pueden durar siempre."

Àqueles cuja infelicidade é conseqüência da miséria de possibilidades, demandada pela simulada felicidade social que fomentamos, e da qual eles não estão inseridos, só tenho à dizer que me parece muito conveniente que lhes tenham sempre confortado com ideais de justiça, amor e prosperidade espirituais.

É por lembrar sempre da existência dessas pessoas que todos os ditos sobre a felicidade me parecem de mal gosto. Principalmente os que parecem terem sido feitos para a assimilação delas.

Não dá para desvirar a ampulheta do processo civilizatório, urbano ou mesmo tecnológico para começar tudo denovo, mas dá para promover as mudanças do juízo que regem suas regras, não dá? Nisso até mesmo a infelicidade foi um grande impulso para as mudanças que nos fizeram amadurecer até aqui...

segunda-feira, agosto 13, 2007

Duke Ellington Orchestra and Me

Cheguei cedo, ao meu gosto. Deu mesmo para ouvir o som vindo dos músicos e dos instrumentos no backstage. Meu coração disparou, ou só parou? Não sei dizer. O que uma Big Band como a Duke Ellington Orchestra faz em Brasília? - Pensei. De repente a cidade me pareceu mais agradável do que nunca. Em Porto Alegre eu teria companhia para esse evento, mas não teria o evento. A vida e suas desarmonias, aceito-as com a suavidade que ela mesma me concedeu.

Os músicos se apresentam ao palco, depois ao público, aos aplausos. Paul Ellington assume o ducado de seu avô e fala por todos, todos endossam a 'nobreza'. Provam que nem só no swing articula-se uma Big Band: fazem um dixieland-revival com os trompetes, regalam-nos com frações de bebop, cool e fusion. E, como se já não fossem nos satisfazer com isso, cumprem o protocolo com um fragmento de improviso. Aqui é que confesso ter me sentido um tanto penalizada: Que diabos estavamos fazendo em um teatro? Quem havia colocado toda aquela luz no palco? Onde foi parar a fumaça dos cigarros, os copos de short drinks e o borburinho das mesas? Não, um improviso não é executado, ele nasce do frisson evolutivo entre o palco e a platéia, quando a respiração realiza o movimento do jazz e todos se encontram em outro nível de conexão. Mas não estávamos nos subúrbios de Chicago, estávamos em Brasília, Damm it! Houve um momento em que o sax baixou meio tom para flertar com as blue notes que caracterizam as lamúrias do Blues e, juro, tive de me acomodar na cadeira para não gritar: "That's the rhythm, man!"

Ou isso, ou minha habilidade de discernimento está fazendo confusão. De qualquer forma, consegui esta foto com meu celular para registrar e recordar:

Brasília, Teatro Nacional - 10/08/07

sexta-feira, agosto 03, 2007

So, Where Is Everybody?

Esta pergunta de aparência tão inócua foi dirigida, segundo contam, à um grupo de cientistas no refeitório da base de Los Alamos na década de 40. Seu autor é conhecido por encabeçar o projeto de construção do primeiro reator nuclear, mas essa história só nos interessa como informação introdutória; O físico, Enrico Fermi, estava alheio aos reflexos que desencadearia nas mais variadas ramificações da reflexão humana ao proferi-la, mas foi inequívoco em observar o ponto em que encontrava limite a descontraída retórica travada entre aqueles versados senhores. O tópico, amigos, era a potencial probabilidade de existência de vida em outras partes do universo.
Baseado em conhecimentos científicos, eclesiásticos, teóricos e empíricos, muitos já se ocuparam em satisfazer essa pendência de nossa compreensão. Daquela época aos nossos dias, em debates informais e acadêmicos, de matérias especulativas à livros de astronômia: tudo acaba encontrando nesta interrogação uma fronteira para a elucidação. De tal forma ela é inconveniente que acabou-se denominando a controvércia por ela gerada de Paradoxo de Fermi.
Quer ver? Dentre todas as possíveis respostas que podem ser citadas vejo, no entanto, poucas linhas de raciocínio para seguir. Convido-os à explorá-las:

A mais atraente delas também é, para mim, a mais problemática. É a preferida dos fãs de ficção científica e a mais refutada pela própria ciência, quando esta emprega mentes e recursos para apurar os fatos. A vertente que tenta provar que eles existem e já estiveram por aqui, ao contrário do que perece, tem como base mais forte a indução hipotética. Conhecida como paleocontato defende que os extraterrenos pré-existiram ao homem ou até influenciaram em seu advento. Esta tese nas expressões artísticas literária e cinematográfica sempre rendeu uma boa aventura. A exemplo o conto The Call of Cthulhu de H.P. Lovecraft escrito em 1929 com seus monstruosos aliens que iniciaram a civilização. Ou, ainda, o monolito negro de Stanley Kubrick que no filme 2001: A Space Odyssey, de 1968, sugeria que um presente deixado por visitantes teria alterado os costumes de primatas e, assim, o rumo da evolução que acabou nos gerando. E por que não falar de Stargate, filme e série, de 1994, que levou os habitantes de outros mundos para dentro das nossas pirâmides atribuindo à sua tecnologia a explicação da desenvolvida arquitetura egípcia? Sim, são bons enredos, mas quando levadas à luz da antropologia, consideradas às capacidades dos povos antigos e, principalmente, a memória da humanidade, tornam-se apenas especulações. Claro que temos muitos mistérios dentro da Terra que ainda não foram totalmente esclarecidos, mas não podemos nos agarrar às deduções da maneira como fez Erich von Däniken em seu ilusivo Eram os Deuses Astronautas?, longe de ser um documentário, o vídeo apresenta suposições de interferências desconhecidas nas culturas de povos antigos. Sem nenhum respaldo científico, induzindo a imaginação do expectador com seqüências de revelações, desconsiderando convenientemente estudos sobre a cultura e, em algumas cenas, fraudando artefatos, o autor acabou desacreditando ainda mais essa teoria pois levou muitos à investigá-la com mais seriedade. Genial, mas até segunda ordem fica tudo na prateleira do SCI-FI!
A teoria com sustentação mais proficiente que já li sobre a possibilidade da vida ter encontrado nosso globo e não, quem sabe, ter surgido nele, trabalha com os estudos do evidente declínio de nosso campo magnético e se orienta pela lógica matemático-física assim: medições feitas desde o século passado da intensidade do magnetismo terrestre apontam suas mudanças de posição e intensidade, descobriu-se que essa intensidade vem diminuindo gradualmente e desse ponto, com avaliações que não convém citar mas demonstram no mínimo coerência, estima-se que, se obedecidas as proporções de que temos registro, esse campo irá se extingüir por volta de 3400 d.C. Sim, preocupante, mas o caráter intrigante é o que chama a atenção: segundo esse estudo nosso campo magnético era tão forte a tão pouco tempo, se comparado à presumida idade do planeta, que seria impossível a vida ter surgido aqui pelo processo de Evolução que se afiança. Mesmo considerando que a intensidade do campo possa ser cíclica, ainda assim teríamos relativamente pouco tempo entre as condições necessárias ao fator biótico e a desolação pelo superaquecimento.
Legal, mas ainda faltam as provas, comprovar a teoria da mórbida intensidade, abrir a questão para os Biólogos e Químicos, explicar problemas como: a lua já teria se chocado com a terra se fosse assim, etc, etc. Aliás, todas essas considerações nos levam inevitavelmente à refazer a pergunta e ir para a segunda linha de raciocínio:

Então, onde estão eles, agora?
Ok, era aqui que o grupo de cientistas estava quando Fermi os provocou. Aqui temos a perspectiva da astronomia e o olho lúcido da matemática para nos excitar. Já na década de 40 tínhamos muitas informações à respeito do universo que amparavam as suspeitas de não só haver vida, mas que ela poderia ser, por assim dizer, inteligente. Trazendo a conversa para o contexto atual temos que em nossa galáxia já são conhecidas cerca de 200 bilhões de estrelas. Para quem acha pouco, é bom dizer que a Via Láctea é uma galáxia tida como pequenina, possui cerca de 100 mil anos luz o que equivale dizer que viajando a cerca de 300 mil km/s levaría-se 100 mil anos para cruzá-la. Uma galáxia grandinha conhecida tem 13 vezes isso e já se conhece uma que estima-se ter de 60 a 80 vezes. Mas não nos aventuremos tão longe: nossa vizinha Andrômeda tem o dobro. E só no nosso Grupo Local (aglomerado de galáxias com comportamento e interaçãos gravitacionais) temos outras 18 galáxias. Não esquecendo de mencionar que existem razões para se afirmar que o universo possui cerca de 12 bilhões de anos e que, levando a Terra como referência, a vida aqui levou cerca de 3,5 milhões de anos para sair do mar e alcançar o espaço (segundo a teoria da Evolução). Animador não é?
Tão animador que leva 667 mil usuários espalhados pelo mundo à rodar o programa SETI@Home desenvolvido para apoio do projeto SETI (Search for Extra-Terrestrial Intelligence), cujo objetivo é analisar os dados captados pelo Radiotelescópio Arecibo, o maior radiotelescópio fixo do mundo que fica na cidade de Arecibo, em Porto Rico.
Sim, é pouco se pensarmos na dimensão do cosmo à nossa volta, mas e a quantidade de sinais que espalhamos todos os dias com nossos rádios, televisões, satélites? Acredite, já estamos bem avançadinhos em captação e propagação de ondas no espaço, tudo é muito promissor mas cadê a mensagem de "leve-me ao seu líder" dos verdinhos?
Isso nos leva à uma terceira análise:

Eles existem e não querem ou não podem se comunicar.
Aqui entram as teorias de conspiração e evolução, justificativas como: interesse pelo nosso planeta, bloqueio de sinais para a Terra, custo alto de viajem pelo espaço, tecnologia da viajem ter a mesma capacidade de auto-aniquilar o planeta, a vida pode não ter a inteligência que esperamos. Enfim, cabem tantas coisas aqui, não cabem? Pois bem, para não entrarmos nelas, o que nos tomaria muito tempo, vou citar uma frase publicada lá no ceticismoaberto: "O problema com todas respostas comportamentais é que elas deveriam se aplicar a todas as civilizações, sem absolutamente nenhuma exceção."
Por fim, temos a consideração da ausência, tão difícil de aceitar para alguns, resposta irrefutável para outros:

Eles não existem.
A vida, como nós a conhecemos, tão abundante dentro da nossa esferinha azul, lá fora inspira raridade, não é? Mesmo assim é complicado, para não dizer insensato, considerar a análise de que poderíamos ser a sua única ocorrência. Ora, como poderíamos sequer sonhar em provar isso? Da minha parte posso, numa tentativa muito racional, abrir mão da crença na inteligência, mas na da existência me encouraço de prudência.
No entanto, o fato de desconfiar dessa possibilidade não me isenta do compromisso de falar dela:
As confluências das condições astrofísicas que interagem em nosso planeta são a justificativa para a suspeita da "existência isolada", a começar pelo astro solar e sua radiação de certa forma constante e duradoura, sua distância da Terra poderia ter sido um obstáculo e não um agente para a vida terrena se não tivéssemos um satélite natural como o astro lunar, por exemplo. A Lua não influência só as marés e o movimento das placas tectônicas, sua massa é tão significativa que faz com que o eixo de rotação Terra-Lua esteja tão longe do eixo de rotação da Terra que há quem afirme que somos um sistema de planeta duplo. Sua atuação na rotação da Terra, que é de apróximadamente 24hs, mantém a temperatura em todo globo com poucas oscilações; o período orbital de 365 dias, reduzido pelo movimento das marés, nos propiciando estações não tão longas, pode ser a chave para o surgimento da vida. Ao menos ajuda a ocorrência de água em estado líquido, o que para nós foi essessial. Também ela está ligada ao fenômeno do magnetismo da Terra que nos serve de escudo de proteção. Ela não tem atmosfera e por isso não há corrosão em sua superfície, todas suas crateras são marcas de sua história no vácuo. E como ela foi parar ali? Não parece ter se chocado com a Terra visto que é tão "redondinha", não é? A teoria mais aceita é a do Big Splash: um corpo celeste de grande dimensão teria se chocado com nosso planeta ainda no seu período de formação e o impacto da colisão teria desintegrado totalmente esse astro, pedaços de rocha líquida se condensaram no espaço e ficaram aprisionados no campo gravitacional da Terra. Isso poderia explicar também o surgimento de massas continentais.

Não, Enrico Fermi não duvidava da efetividade de vida inteligente, quem conviveu com ele garante que ele era, de fato, um simpatizante da probabilidade. Fermi estava, na verdade, intrigado com o silêncio, quanto mais se descobre e procura mais ele se torna paradoxal.
O cientista e astrônomo Carl Sagan em seu livro Contato, recentemente filmado, partilha conosco sua ponderação: "Se for somente nós, parece um grande desperdício de espaço".
Mas isso também não satisfaz nada, a régia questão em toda a história da humanidade sempre foi:

A verdade está ou não lá fora?

Nicolau Copérnico, o homem que alterou nossa visão sobre o mundo com o livro De Revolutionibus Orbium Coelestium no qual defendia a teoria do heliocentrismo (o sol como centro de revolução) e refutava o geocentrismo (a Terra como centro do universo), registrou em linhas a sentença seqüente:

"Para saber que nós sabemos o que nós sabemos, e para saber que nós não sabemos o que nós não sabemos, isso é o conhecimento verdadeiro."

Sob grossa análise, parece-nos que a humanidade avança sobre o mar de suas descobertas, mas, com o devido cuidado de um bom observador, encontramos as suspeitas, os receios, as interrogações que existem por trás da cada passo. Parece-me que quem direcionou nosso progresso, até os dias de hoje, não foram as respostas que nos eram mais necessárias e sim as dúvidas mais místicas. O Paradoxo de Fermi ilustra bem isso, as religiões procuravam deuses, os materialistas procuram semelhantes. Reconheço, é claro, que houve muito desenvolvimento nessa busca por respostas externas. Mas qual não seria nosso grau de satisfação e civilização se dedicásse-mos nosso olhar à nós mesmos? Se nosso maior interesse fosse o coeficiente antropogênico e não o extra-humano?

No limite da avaliação somos todos indivíduos crédulos olhando para o céu em busca de entidades.

terça-feira, abril 10, 2007

E o juízo, por onde anda?

É com a licença concedida pela precipitação de nossos primeiros anos que, ao conquistar os manejos da comunicação, tiramos o mundo do seu eixo, até então externo, para nos tornarmos seu eixo referencial de órbita.
É lá naquele momento indefinido de nossa infância, quando formulamos nossa primeira idéia própria com a reciclagem de idéias alheias, que iniciamos nossa primitiva interpretação do universo a partir de nossas irrefletidas percepções mundanas.

Não é de se admirar que andemos à pensar que a existência é que perdeu o sentido.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Legado de Sophia

E, então, chega o momento em que o homem acostumado aos argumentos da filosofia, ao sustento da percepção meticulosa e a agudeza da ciência, passa a sofrer pela brevidade de sua existência. Primeiro, porque foi à custa de tempo que ele acumulou seu patrimônio intelectual, e este, ainda que grande riqueza lhe pareça, é sempre ínfimo se comparado às fontes de onde jorram o saber do mundo; Segundo, e talvez mais importante, porque ao tomar para si o conhecimento como patrimônio, a idéia de perdê-lo e tornar vão seus esforços lhe é penosa.
Ao contrário de outros espólios, este não pode ser deixado em testamento para aqueles que - conforme seu julgamento - o merecem. Nem mesmo os que não lhe fazem jus, hão de se apropriar de sua 'fortuna' apenas por desejá-la.
Essa consciência, por seu caráter aflitivo, o pressiona à conhecer os benefícios que a efetividade modesta adiciona a humanidade: cadenciar a evolução de idéias lentamente - geração à geração - de um modo mais uniforme, gerado pela média saudável entre os extremos e a necessidade temporal de se absorver o novo.
Dessa forma, o extingüir de sua chama o leva a querer salvar suas concepções e compilações - como um bem a ser deixado de herança. Assim nasceram os filósofos, os artistas e os cientistas: não de sua genialidade propriamente dita, mas de sua atitude de transmitir seus erários cognoscentes.
Nesse sentido, seria falta grave de raciocínio acreditarmos que não houve no desenvolvimento da humanidade, capacidade de evolução social superior à que conhecemos. E chegando nessa conclusão, podemos claramente ver que a prática da individualidade merece pouco crédito.
Para aqueles que costumam se preocupar com os lixos que se acumulam nas prateleiras, convém lembrar que a mediocridade é tão efêmera quanto sua habilidade de produzir autênticos resultados favoráveis. E se chegar a produzir algum, mesmo que por meio de conceitos desviados, ainda assim estará apontando um caminho oportuno. As ciências estão repletas de exemplos.

Com isso, abandono o laconismo espartano, no qual iniciei o ano deste blog, com estas questões:
Será a eternidade a capacidade de multiplicação que, um ato de dividir, gera?
E essa divisão, seria a substância que preencheria o vazio por nós sentido?

Nem matemática, nem metafísica. No meu acervo cultural encontrei duas sentenças para essas dúvidas, respectivamente:

O pensador ou artista que guardou o melhor de si em suas obras sente uma alegria quase maldosa, ao olhar seu corpo e seu espírito sendo alquebrados e destruídos pelo tempo, como se de um canto observasse um ladrão a arrombar seu cofre, sabendo que ele está vazio e que os tesouros estão salvos.
(Nietzsche)

I believe if there's any kind of God it wouldn't be in any of us, not you or me but just this little space in between. If there's any kind of magic in this world it must be in the attempt of understanding someone sharing something. I know, it's almost impossible to succeed. But, who cares really? The answer must be in the attempt.
(Before Sunrise Movie Quote)