quarta-feira, dezembro 27, 2006

Gaivota Agreste

Este foi o ano em que adicionei a maior quantidade de bons volumes à minha estante. Autores como Kerouac, Dostoievski e Balzac me emprestaram ares de mulher despojada, consciente e analítica que, ainda que não me fossem estranhos, careciam de propósito para serem naturais.

Amadurecer é nos tornarmos, em atitudes, o que somos em sentimentos.

Foram objetivos que me trouxeram ao planalto central ao invés de me levarem de volta aos pampas, e, por eles, eu adotei essa paisagem agressiva que substitui com doces veredas de buritis os longínqüos bosques de araucárias na serra em que cresci e no litoral onde nasci.

No inverno, observei afetuosamente a savana tropical do cerrado com seus galhos retorcidos e vegetação espaçada secar. Lembrei do véu da geada, da dança dos granizos, do sussurrar do minuano e das ameaças de flocos nas invernias do sul. E descobri que a saudade é opressora quando há grandes contrastes, mas a vontade que tenho de conhecer mais um pouquinho me moverá sempre para novos caminhos.

Por isso, decidi dar um ritmo mais arrastado para a jornada. Se demorar nos detalhes é o que revela a riqueza, então também é rica de pequenas alegrias a busca das grandes felicidades.

só faz falta mesmo, a brisa do mar...

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Do latim 'Realitas' ou do grego 'Phantastiké'?

Já diriam os loucos, as crianças e os escritores: se você não tem, cabe inventar.

Na infância eu abriguei um gato. Um não, vários. Mas esse apareceu em minha casa adulto e, como esperava que fosse embora a qualquer momento, nunca lhe dei um nome.
Passava horas comigo e não demorou para que percebesse que era o gato mais peculiar do mundo. Costumava atribuir-lhe a personalidade de felinos famosos como Garfield e Félix. Nunca existiu um gato melhor que aquele.
Um dia o Sem Nome foi embora.
Naquela época, Pets e amigos imaginários não se despediam porque Pais e Psicólogos não tinham imaginação.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Enquanto isso, pelo mundo...

O Christian e a Vivi partiram ontem, seguem em direção à Nova Zelândia. Graças à rede Wireless do Aeroporto de Buenos Aires conseguimos nos despedir. O casal vai ficar um bom tempo na terra dos hobbits e eu ainda tenho um bom tempo de Brasília pela frente, essa cidade cercada de nada que mais parece um grande Big Brother sem câmeras. Tento me acostumar. Entre uma saudade da cor da estrada e outra do cheiro do mar, ficarei pensando nessas duas pessoas que admiro tanto.

Ele: (em tom de implicância) Se você cansar, te deixo no caminho...
Ela: (desafiando) Duvido que o mundo seja tão grande assim!

sexta-feira, novembro 10, 2006

Emma Bovary c'est moi!

Para falar de Madame Bovary é necessário seguir às sombras da crítica literária, porque minha análise seria tendenciosa à minha leitura personalista e sua consideração dela teria base na celebridade da autoria da obra, e, desta forma, quando eu confessasse que Flaubert chegou a me dar tédio, você me recriminaria instintivamente. Nada mais humano do que a vontade de defender algo que está sendo injuriado.

Mas não estou atacando o escritor ao dizer o que teria sido falta de gosto ter omitido, nem ele me decepcionou pois não costumo esperar o paraíso de um livro. Faço isso com a música que, tal como o orgasmo, resume melhor a atividade.

Não, nada de julgar as voluptuosidades das paixões aqui, minha admiração por essa obra liga-se ao que ela representa: o sepultamento do Romantismo como movimento artístico e filosófico.

E, é nisto que redunda a pergunta: Sendo do próprio autor a frase-título deste Post (que bem cabe na humanidade), não torna-se ele o Romântico suicida? Aquele que personificou seu desejo, exaurir-se no objeto desejado e nos deixou seu castigo de lição?

Bem, o que você precisa saber, ou se dar conta, é que Gustave Flaubert escreveu uma vingança para sua época, e um testamento para as próximas. Para nós, que temos a existência tão atrelada à inconstância das certezas e a carência de autocontrole, fica a noção de autoconsciência como remissão.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Rebanho do absurdo

Empregou-se o epíteto "absurdo" à dramatologia que, advinda do existêncialismo, usou recursos romanescos para ampliar o vazio instalado no íntimo do ser socializado.
O teatro do absurdo serve-se das frívolidades cotidianas para ilustrar o contra-senso em que nos encontramos mergulhados. Como estilo não pretende, explora. E, consoante a tudo que há de contraditório, tem por efeito atrair meus sentidos.
Meu primeiro contato com este gênero foi um encontro precoce, de minha consciência intelectual, com a obra de Qorpo Santo. Aconteceu na biblioteca escolar, quando encontrei um exemplar de "Relações Naturais" extraviado na estante do "Surreal".

Inventando estória!? Veja, desde quando aprendi a fazer uso da narrativa que não traço uma sem lhe meter algumas carochas, mas chamo a atenção para o fato de que não o faço desintencionalmente. Prossigamos!

Mais tarde, tive a oportunidade de ver encenada aquela e outras peças em palcos improvisados na capital gaúcha. Desde então, tenho experimentado o contexto aparentemente ilógico deste universo teatral tão pouco descortinado.
Há poucos meses atrás, aqui em Brasília mesmo, por uma feliz fatalidade que só a ignorância faz por você, caí inadvertidamente na platéia de uma montagem de O Rinocente, de Ionesco. Esse, considerado por muitos o pai da linguagem cênica de que venho discorrendo.
Mas se você, principiante, tomar por dita a indicação latente, e resolver se aventurar nas artes do absurdo, leve consigo discernimento extra para não incorrer no equívoco tolo de confundí-la com a arte burlesca. O absurdo é um animado esboço da sombria natureza humana.

Pois o que é mais triste que um grande rebanho de ovelhas merinas!? - Qorpo Santo

O RINOCERONTE.
Espetáculo adaptado do texto de Eugéne Ionesco.
Direção: Hugo Rodas.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Metamorfose nossa de cada dia

Aqui jaz um ser que andava em busca de limites que o cercassem de aparente segurança;
Aqui jaz uma mente outrora formadora de definições que obedeciam seu conforto;
Aqui jaz, em silêncio eterno, aquela que adotava referenciais para sustentar transitórias convicções.
Aquela que, em nome da sistemática pedagogia, foi instigada a separar para melhor proveito das ciências, o certo do errado e o preto do branco, mas pouco foi advertida a perceber a sutileza que diferencia circunstancialmente os opostos.
Pereceu contemplando o mágico encadeamento universal de todas as coisas, que faz idéias adversas se tocarem antagonica e complementariamente.
Ao experimentar uma deliciosa emoção que só de terras inseguras pode germinar, dispôs do seu último suspiro idealista para cumprir seu dever de morrer.

Falo para mim mesma quando digo:
Que descanse em paz!

E assim, vai ficando cada vez menor e distante o indivíduo para aqueles que o observam do chão.


"É chamado espírito livre aquele que pensa de modo diverso do que se esperaria com base em sua procedência, seu meio, sua posição e função, ou com base nas opiniões que predominam em seu tempo. Ele é a exceção, os espíritos cativos são a regra."
NIETZSCHE - Humano, demasiado humano.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Os ecos de um sapo

Se possui alma um indivíduo, ela deve ser feita de lembranças. Recordações é o que somos, não o que fomos. O que fomos é passado. Memória não tem índice de consulta, mas devia ter. Tem critérios de fixação e não devia ter.
Sete anos eram, mais ou menos, minha idade acumulada quando aprendi a ler, recebi o privilégio de memorar para sempre este dia. Lembro da sala de aula, da lousa, da expectativa, das sílabas, da dedução:

S e A, SA
P e O, PO
SAPO!

E fêz-se a imagem.
Comprou-me um livro o pai que tenho com o dinheiro que no bolso tinha porque me deixou escolher, e eu escolhi aquele porque pensei que caro livros não deviam ser.
Exemplar ilustrado de uma coletânea infantil, meu primeiro livro não foi um clássico literário, era apenas uma boa e comovente narrativa feita para pequenos corações. Suas figuras eram expressivas e eu, uma menina de detalhes.
Seu final não se apresentava no ponto gramático nem em um clichê disneyworld. Terminava reticente como a vida, deixando um mundo de conjecturas para me ocupar.
E fêz-se a imaginação.
Ganhou palavras novas o mundo, diminuiu-se a hora de brincar.
Encheu-se os olhos paternos de maternal olhar.
Muito das recordações que sou são livros, e daquele olhar que, hoje, briga para enxergar.

Auf Deine schönen Augen
Hab ich ein ganzes Heer
Von ewigen Liedern gedichtet -
Mein Liebchen, was willst Du mehr?
Henrich Heine

terça-feira, agosto 15, 2006

O Gigolô das palavras

"Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda."
Luiz Fernando Verissimo

terça-feira, agosto 01, 2006

Why you should love jazz...

Definir Jazz não é exatamente a imcumbência que darei a este post. Sou consciente dos insuficientes limites da tangente que vem a ser meus conhecimentos creditáveis sobre música. Como séria entusiasta, porém, reproduzo o melhor conceito que já encontrei para o termo, e diz ele que o jazz não é só aquilo que se toca, mas como se toca. Tal hábil afirmativa só pode ser embasada naquele que é considerado um de seus elementos mais característicos: o improviso.
Há, igualmente, justificável consenso quanto a necessidade de haver a presença de swing neste gênero musical.
Junte isso com sua boa capacidade de contextualização auditiva e terá a melhor trilha sonora para bares ruídosos, prédios comunitários, trânsito, recepções, teatro, parques ou locais públicos. Já que  este estilo em particular pode, sem prejuízo à sonância, incorporar-se perfeitamente ao meio em que for introduzido.
Ainda que genuínamente urbano seja, há quem, por preferência ou privado dela, aprecie este ritmo à solitude, e para tal não faltam canções apropriadas.
Talvez, nada do que foi supracitado sirva de justificativa ao pretencioso título que introduz esse artículo, mas porque um blog é, acima de tudo, troca de experiências, foi este texto digitado para que eu pudesse inaugurar o meu publicando o motivo que me levou a amar o jazz: sua capacidade altamente dissolutiva com outras melodias.
Responsável por produzir, ao encontrar o Samba, um casamento tão perfeito quanto o de Simone De Beauvoir com Jean-Paul Sartre.
Duvida?
Experimente ouvir qualquer um desses três álbuns:

Antônio Brasileiro, Tom Jobim com participações de Caymmi e Sting.
Jazz Samba Encore, Stan Getz e João Gilberto.
Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim, os próprios.


Jobim e Sinatra