quinta-feira, outubro 11, 2007

Diário De Uma Babá - Parte II

Deb é a forma reduzida para Débito, verdadeiro nome do felino doméstico ao qual passei três agradáveis semanas tratando. A dona explica que a origem do nome é o fato de ter recibido o gato em troca de um favor que fez à um casal de amigos. Antes que ela escolhesse um nome, sua mãe já tinha alcunhado o filhotinho de débito e ficou por isso mesmo.

Durante os dias em que tivemos de conviver, notei que Deb adiantou uma das suas horinhas de soneca diárias para ajustar com uma das minhas horinhas de leitura pontuais.

O momento consistia em eu - para aproveitar a iluminação da rua sobre o livro - me sentar em frente à vidraça da sala e ele - para espiar o movimento do lado de fora - subir na cadeira comigo. Esses instantes de vigia exterior foram ficando cada vez mais curtos e, ao que parece, a alternativa de se esparramar no meu colo e cochilar com carinhos, entre uma virada e outra de página, foi ficando mais atrativa.

Quanto à plantinha com problemas sentimentais, não pude evitar o pior: está tão enferma que receio não ser possível mais a recuperação. Me sinto prostrada, mas não culpada, porque tentei de tudo: conversas ao pé das folhas, retira do pó acumulado, uma tarde no jardim florido do restaurante que fica ao lado, televisão programada para ligar na hora da novela, o disco compacto "III" do Led Zeppelin (funciona comigo desde os meus dezesseis) e "Also Sprach Zarathustra" de Strauss.

Nada! Nem uma reaçãozinha da doce alstroeméria que agora não exibe mais nenhuma flor. Cheguei a sugerir à dona que colocaria ela ao telefone com a planta, coisa que provocou risadas em nós duas. Ela se angustiou em garantir-me que tinha acertado em todas as dosagens de àgua e sol que me foram confiadas, e eu me consolei em aceitar isso.

Amanhã já não terei mais de me inquietar com esses compromissos, mas fico com a certeza de que sentirei falta e irei me inquietar com o pensamento de que não tenho, e ainda não posso ter, companhias como essas na minha vida.


I don't know how I'm gonna tell you
I can't play with you no more

quinta-feira, outubro 04, 2007

Diário De Uma Babá - Parte I

“Ele não é um doce de lidar, mas vai saber recompensar seus cuidados!”

Quando minha amiga me deu esse aviso, não pude figurar o quanto de relevância havia nessas palavras. Ela estava falando do seu gato de estimação de um ano e meio, que precisaria de uma babá até ela voltar de viagem.

Deb me recebeu desinteressadamente, mas sem fazer pouco caso das minhas atenções. No início não se deu à afagos, depois, ao entender que eu não iria desistir dessa forma de comunicação, passou a recebê-los e à retribuir-me aos poucos os carinhos.

Testou, ainda, minha paciência com reclamações sobre onde deveriam ficar as almofadas e quanto tempo ele podia ficar na janela. Assim que percebi que era preciso respeitar seu espaço, nos entendemos sem maiores dificuldades.

É preciso também regar as plantas: cinco samambaias, três bromélias e uma formosa alstroeméria. De todos os seres-vivos esse último parece ser o que mais sente à falta da dona: logo no terceiro dia já contraíu-se em solidão.

Alguém por aqui entende de psicologia vegetal?