quinta-feira, dezembro 04, 2008

DEZEMBRO


NOTAS

DIA 4: A escala de entropia do meu quarto está alta¹, não encontro minhas coisas! Ainda hoje, quero iniciar a leitura de Emma, de Jane Austen. Estou anciosa, tem mais de 1 mês que comprei esse livro! Mas antes, preciso encontrá-lo no meio da bagunça... ;\

DIA 5: Percebi ontem, lendo Jane Austen, que existem diversos tipos de solidão: de sentimentos, de afeição, de amor, de companhias barulhentas, física, familiar. De tudo há solidão. Concluí facilmente que sofro de solidão intelectual.

DIA 6: Bom senso é uma condição insustentável. Não se pode confiar no dos outros. E nem no próprio.

DIA 7: Somos substância obstinada por cristalização: nos apegamos mais à um punhadinho de certezas que ao universo de possibilidades.

DIA 8: Encontrei um ponto comum em todas as pessoas que amo: elas não levam as adversidades tão à sério.

DIA 9: A impaciência não chega a ser uma qualidade favorável, mas é uma bela arma contra a apatia.

DIA 10: Segundo a imprensa da época, a última frase de Olavo Bilac, pouco antes de morrer, foi "Dêem-me Café! Quero Escrever!". Se eu tivesse adoecido e morrido esse ano, provavelmente teria isso em comum com o príncipe dos poetas.

DIA 11: Hoje, não me questione a razão, decici citar à mim mesma. Com toda redundância que esta frase implica. Eis aí um recorte do romance que escrevo:

"Não tenho destino, já nasci acaso. O futuro, no entanto, é sedutor: conquista o pensamento com conjeturas. Carrega nas pré-ocupações as horas destinadas à suavidade do dia. Preciso evitá-lo constantemente!
Talvez fosse bom me sujeitar ao entusiamo de uma paixão. Experimentar aquela sensação na qual agora importa mais que qualquer outra hora."

DIA 12: Essa serenidade exterior que manifesto, deve-se à agradável genética da família Emerich. Os Evaldt em nada são estáveis ou tranqüilos.

DIA 13: Logo que acordei, com o rosto ainda voltado para a parede, eu já sabia como seria o meu dia: completamente moldável!

DIA 14: O nome de uma pessoa possui todos os significados que atribuímos à ela. O simples fato de alguém o pronunciá-lo desperta em nós todo sentimento que lhe dedicamos.

DIA 15: Trata-se de uma infelicidade que as reservas indispensáveis à um espírito extremamente delicado confundam-se tão facilmente com indiferença.

DIA 16: Estou convencida de que qualquer pessoa revelará mais sobre ela própria ao falar de outras do que de si mesma. A tolerância e a consideração com as quais nos autodefinimos não é repartida com quase ninguém. E, por isso mesmo, é mais similar ao nosso caráter a forma como julgamos os outros. Já que, também, os julgamos por critérios nossos.

DIA 17: Dentre as coisas que desejo realizar no próximo ano, uma delas é encontrar o tal 'benefício da dúvida'.

DIA 18: Estou inteiramente envolvida pela Srta. Austen. Iniciei a leitura de Orgulho e Preconceito, cujo enredo foi escrito antes da autora completar 21 anos. E mal posso descrever o quanto me sinto surpresa e deslumbrada ao ter tal romance em mãos.

DIA 19: Sim, fazer apostas é uma maneira quase certa de arranjar frustrações. Porém, para aqueles cuja sensatez se pratica até mesmo no saber perder, ter bravura de coração para apostar apenas no que desejam intimamente obter já é uma grande recompensa por si só.

DIA 20: Não sei o nome da senhora que me atende no Sebinho², mas ela sabe o meu. Isso porquê, apesar de minhas visitas não durarem mais que o tempo de ela me entregar um volume e eu pagar no caixa, sempre deixo lá uma lista de encomendas que, pelo que entendi, dá à ela algum trabalho para conseguir. Hoje trouxe Razão e Sensibilidade, e deixei ela com a difícil tarefa de encontrar Mansfield Park, Abadia de Northanger e Persuasão. Sim! Todos de lady Austen.

DIA 21: As flores da serra só aparecem no verão.

DIA 22: Descobri que as melhores férias são aquelas em que se dorme pouco.

DIA 23: Conversa casual é o que eu chamo de "reafirmar as aparências". Felizmente, uma conversa deixa de ser casual em, no máximo, trinta minutos.

DIA 24: Não sei explicar, mas sinto como se tivesse passado a vida tentando inutilmente domar meu caráter. Tenho que aprender a desistir!

DIA 25: Exigir é o oposto de conquistar.

DIA 26: O que faço inconscientemente é o que mais me interessa.

DIA 27: A primeira música que ouvi do Bob Dylan foi Like a Rolling Stone e não me identifiquei nem um pouco com ela. Mas já fazem muitos anos desde então. Hoje, contudo, escolhi ela de trilha sonora: I'm feel just like a rolling stone.

DIA 28: Há quem suspeite de um significado de precisão nos célebres versos de Alberto Caeiro³. Mas eu nunca tive dúvidas, sou partidária do emprego verbal, designado pelo general Pompeu, e mencionado pelo poeta: "viver não é preciso". Para o homem que se destina com paixão à sua arte, viver é ato secundário.

DIA 29: Mas eu não desejo ser mais apaixonada pela arte que pela existência: preciso das duas em igual medida!

DIA 30: Há dois tipos de gente entediante no mundo: os outros e eu!

DIA 31: A grande vantagem no uso dos calendários é que eles constantemente nos lembram que a vida não precisa necesariamente continuar. Ela pode, numa determinada data ou circunstância, recomeçar!

UM FELIZ 2009 À TODOS QUE ACOMPANHAM O BLOG!


¹ teoria do caos
² o maior e melhor sebo de Brasília
³ gosto dessa identidade e por nada nesse mundo a confundiria com Fernando Pessoa.

quarta-feira, novembro 19, 2008

Post das perguntas...



Qual é então esta ligação entre nós,
esta coisa indefinível?

Para onde vão estes destinos que se amarram,
para nos tornar inseparaveis?

A vida é uma dança
Todos temos que dançar

Conforme a música exige.

As pessoas se movem juntas,
próximas como as chamas no fogo.

Sinta a batida, a melodia e a rima.
Enquanto há tempo.

Vamos todos dar voltas.
Pares de "perdidos e achados"
Procurando por mais uma chance.

Tudo que sei é...

Estamos todos na dança.

O quê então que nos separa?
Quem por azar nos reúne?

Para quê tantas idas e vindas,
neste caminho infinito?

Avançamos, na linha do tempo.
À vontade do vento.

Assim...

Vivemos todos os dias,
nossos desejos, nossos amores.

Partimos sem saber que
estamos sempre
na mesma história.

domingo, novembro 09, 2008

cookie wise

Não é que eu não seja patriota. Ou regionalista. À mim já não importa onde firmo meus pés e sim meu coração.

Não se pode dizer, tampouco, que perdi minhas raízes culturais. Minha mente sempre esteve no mundo inteiro.

Me acusar de revolucionária porque tive uma adolescência engajada e rebelde seria exagero. Cultivei minha covardia reacionária como todo bom cidadão democrata.

Supor que eu não saiba separar a arte da existência é falta de imaginação. Pois interior e exterior não são polarizados em minha alma.

E que a verdade seja dita: se me tivessem ensinado à pintar, ou tocar piano, não estaria escrevendo.

Não pense que desprezo o modo como superestima-se a sexualidade. É apenas uma questão de preferência o que me leva à querer maximizar o amor.

E se parece que não valorizo o compromisso, é porque estimo a intenção mais do que o comprometimento.

Descobri, na liberdade de partir, o permanecer justificado.

Na liberdade de agir, o ser autêntico .

that's the way it crumbles...

segunda-feira, outubro 06, 2008

Perfil

Gaúcha não praticante com residência fixa em Brasília há três anos, duas semanas, dois dias e tentando parar de contar.

Aproximando-se rapidamente da idade balzaquiana, seja lá o que isso queira dizer.

Tem por principal hábito a leitura inútil e excessiva de revistas, livros, blogs, legendas cinematográficas e entrelinhas humanas.

Sua principal orientação filosófica sempre foi o niilismo. Atualmente, porém, tem sido muito comum vê-la sofrendo crises de existencialismo extracontemporâneo.

As características mais evidentes no conjunto de sua irrelevante “obra”, são:

  • traços de uma visão biocentrista tímida;
  • críticas sarcásticas ao humanismo literário de fachada;
  • teorias anárquicas mal-dissimuladas;
  • vestígios fonográficos enigmáticos;
  • eu-lírico auto-censurado;
  • forma inapropriada;
  • conteúdo andrógino;
  • estilo forjado;
  • ironias desastradas; e
  • desambição fingida.

Na personalidade pode-se encontrar os mesmos aspectos supracitados - em ordem levemente diferente - e mais um punhado de particularidades que convém não citar para manter a tolerância textual.

Acredita que é escritora por natureza, mas programa sistemas computacionais por profissão.

Não é tão bonita quanto finge ser. Nem tão bem resolvida como parece.

Usa vermelho ou verde quando se sente bem. Quando escreve, bebe Earl Grey Tea ou Água Tônica.

Neste exato momento, está ouvindo a canção Loser do músico Beck enquanto tenta decidir entre atualizar seu blog ou estudar cálculo proposicional, durante o seu horário de almoço.

domingo, setembro 07, 2008

ghost-writer

O título não é uma referência àquele que, tal o fictício Brás Cubas, descreve suas memórias póstumas.

É, generalizando, qualquer um que queira ceder seus escritos para uma autoria alheia mediante acerto prévio. Esse tipo de acordo normalmente envolve anônimos dotados de algum talento e notórios sem inspiração ou tempo, mas há outros casos.

Escritor-fantasma, nesse caso, sou eu à negociar minha paternidade literária com um padrasto célebre.

Tem quem faça disso uma profissão e, antes que me julguem pelo confessado, assinalo que não será o meu caso.

Só consigo explicar como aceitei tais encomendas por uma necessidade incontrolável e não ponderada de aceitação pública. Basicamente, me iludi com a idéia de que a amplitude de tal trabalho serviria para confirmar se possuo ou não aptidões para uma generosa audiência.

Querem saber o que consegui? Até agora, desperdício de tempo.

Não é a falta de aplauso. Não é a discreta remuneração. Nem as críticas. O que me frauda a possibilidade de encontrar algum prazer nessa atividade confidencial é que, simplesmente, o espectro nas entrelinhas não é eu.

No lugar de um antígrafo daquilo que naturalmente rompe meu pensamento, nos textos que produzi só há desvios morais em cima de estruturas democráticas.

A consciência social não passa de uma escrava que mais obedece aos outros que à nós mesmos. Sempre me podou a espontaneidade no convívio interpessoal e, agora, intimida também a prática da exteriorização artística.

Sinto-me subjugada. Inibida pelas opiniões consensuais. Pela gramática. Pela falta de expressão individual.

Isso é o suficiente para me abater e acabou me prejudicando nas outras formas de expressão.

Para resumir, não fui capaz de tecer uma única linha satisfatória nos dois últimos meses. O pobre do indigitável ficou sem postagens. Meus correspondentes não receberam e-mails. Meus ensaios ficaram suspensos.

Portanto, isto aqui é uma tentativa de reação. Antes que a apatia aos verbetes me silencie de vez, comunico que irei exonerar-me do lugar-comum da vida público-secreta que estou levando. E espero regressar, sem maiores traumas, à orbe dos textualistas incompreendidos e sem alcance na qual me sinto à vontade.

E, já que aqui posso atribuir uma identidade honesta ao que é proferido, escolherei o sujeito/predicado que melhor concorda com meu eu-artístico momentâneo para finalizar essa decisão:

Sem mais à dizer, empty-writer.

quinta-feira, julho 24, 2008

Identidade

Não raro, ocorre-me um desses sopros de memória em que um evento, outrora parcamente abstraído, apresenta-se surpreendentemente como peça central de um quebra-cabeças que há muito aguarda desfecho.

Ontem mesmo o ressurgir casual de uma frase, aparentemente simplória, desencadeou uma série de ligações que deveriam estar evidentes, mas que, até então, se figuravam independentes para meu processo investigativo sobre a construção da identidade individual.

Em verdade, da frase, só o reluzir deste fragmento lido em uma revista foi que me incendiou o pensamento:

“Tenho lembranças e não saudades”

O supracitado é assisada declaração de Mário Lago às vésperas de completar 90 anos. Pouco menos de meio ano teve ele de vida após tê-la pronunciado, mas a palavra ainda respirava em meu pensamento e, creio, ainda produzirá reações quando eu já estiver me juntado ao seu artífice na poeira do mundo.

De início, devo ter apenas julgado um sentido de aderência ao presente contido na sentença. E talvez assim o tenha sido. Mas posso assegurar que nada é o que é, apenas. O explícito é somente a face superficial dos sentimentos e ideais que o moldaram.

A idéia de um presente que regozija o passado sem apegos, a ponto de não desejá-lo ao alcance de uma reforma ou sonhar revivê-lo, pressupõe uma autoconfiança capaz de tomar decisões comprometidas com o futuro. E um reconhecer honesto das intencionalidades dentro das próprias atitudes.

Não foi o semblante envelhecido, que o recapitular da memória me trouxe do autor, que me fez desconfiar de significados mais íntimos no seu discurso. Foi a temperança e a poesia implícitas em sua figura e em seu trabalho ao longo dos anos. Presente desde suas primeiras composições.

O autoconhecimento é que concede uma identidade coesa. É isso que nos faz desfrutar com confiança o momento de proveito. E ultrapassar com tranquilidade as horas indistintas da vida.

É evidente que, com o suceder dos anos, todos somos obrigados a encarar a prática da autoconsciência. Só que a postura de esperar que isso aconteça de forma inconsciente, não seria assumir um comportamento irresponsável por si mesmo?

Um hoje sem saudades me faz pensar num hoje pacificado com a conformidade do ser. Conhecer e compor o caos interno é o que salva a alma do abismo fatalista que parece circundar a existência humana.




   Você já se analisou hoje?

quarta-feira, julho 09, 2008

Bucket List

É o nome do filme mais recente do Rob Reiner. Morgan Freemam e Jack Nicholson aparecem na telona em papéis que lembram a saudosa dupla Jack Lemon e Walter Mattau. Não altera nada dizer que a Bucket List é, como já devem figurar, uma lista de desejos à realizar antes de "partir".

O que sucede é que, depois de ver esse filme, o sujeito passa a pensar na sua própria bucket list, e isso me deixou um tanto inquieta.

Sempre pensei que seria uma dessas pessoas com uma lista interminável de coisas à fazer em vida. Mas quando tentei listá-las, descobri que não sabia o que elencar nela.

Lembrei angustiada de um relato de Filosofia Clínica sobre um paciente que planejava suas férias de verão na quente e badalada Califórnia e que, quando o verão chegava, não viajava. Ao invés disso, começava a planejar as férias de inverno em Detroit.

Mas não tenho nada com esse caso, o paciente em questão vivia dos planos, e eu, sem planejar.

A explicação é a de sempre: não penso na morte.

Que triste é não pensar nela, no fim das contas. Andar à existir feito um desponderado Ivan Ilitch. Deixando a vida andar desatenta nos trilhos do acaso e dos descasos.

Além disso, para fazer minha bucket list, descobri que precisava comprometer outras pessoas. Pessoas dispostas à compartilhar meus planos e à partilhar o delas.

Por último, tive que vencer o embaraço de sustentar em público minha teimosia de querer realizar coisas que parecem impossíveis. Afinal, já provei que muitas coisas eram possíveis por conta disso, não é?

Assim, surgiu a lista. E provavelmente meu futuro, que será delineado pelo desejo de riscá-la linha por linha:

1. Voar num balão de ar quente com meu pai sobre a praia de Torres durante o festival de balonismo;

2. Realizar três desejos em um só com minhas sobrinhas, Amanda e Alexandra, no Magic Kingdom do Walt Disney World;

3. Passar meu aniversário de 30 anos no Hawaii, surfando numa Longboard se possível;

4. Ler os 89 títulos que compoem a Comédia Humana, de Balzac;

5. Experimentar todos os vinhos do mundo, ou pelo menos um de cada nacionalidade;

6. Ter um Maine Coon de estimação;

7. Jurar amor eterno, como Tom Sawyer e Becky Thatcher no livro de Mark Twain;

8. Passar um período de férias inteiro na praia com a Lilian, possivelmente em Garopaba;

9. Voltar a dançar;

10. Escrever até o último dia;

11. Passar uma tarde no Central Park e ouvir jazz no Café Carlyle à noite (Gabriel, você ta nessa?);

12. Plantar minhas próprias flores e ter no mínimo 20 tipos diferentes;

13. Acertar, pelo menos, as 14 categorias que mais gosto de uma edição do Oscar (esse ano acertei 11 delas);

14. Ver ao vivo Bob Dylan, Paul MacCartney e Eric Clapton;

15. Fazer guerra de neve com meu(s) filho(s), na Postdamer Platz em Berlim.

quinta-feira, junho 26, 2008

CHRONOS

Não foi Einstein quem me apresentou o continuum de espaço-tempo com o qual situamos as coisas no universo, foi Proust. Em sua literatura romanesca encontrei o termo “quarta dimensão” pela primeira vez. Publicado quase simultaneamente às teses que elaboram a Teoria da Relatividade, a coletânea Em Busca do Tempo Perdido demonstra com insinuante evidência que o tempo, assim como as três dimensões espaciais, também se dilata e contrai.

No entanto, nada irei falar da generalidade dessas obras que, durante anos, desencadearam um efeito intimidante sobre o meu interesse em principiar-lhes leitura. Ficando, ambas, à longa espera daquele tanto imperioso de ousadia pelo qual conquistamos autoridade para desvendar os prazeres da vida.

Porém, quero dizer que o primeiro volume proustiano esteve em minhas mãos quando mal completara quatorze anos, e que não fui capaz de finalizá-lo em idade tão desprevenida. Mesmo assim, ele serviu de motor da necessidade que sentia de despertar minha consciência para o caminhar inevitável dos anos.

O tempo, segundo meu entendimento, é a medida que adicionamos à todos os cálculos com os quais estimamos tudo que nos diz respeito. Ele assoma importâncias, condena investimentos, regula o planejar da vida.

E, ainda que não o utilizemos conscientemente, seguirá sua trajetória linear e irreversível.

Se o víssemos, não poderíamos ignorá-lo. Se o tocássemos, o teríamos sob controle. Se o sentíssemos transcorrer os momentos, não esqueceríamos tão fácil que ele avança.

Nossa percepção temporal o faz parecer relativo, mas não se deixe enganar: contemplar os dias ou atropelar as horas em nada altera o flutuar do pêndulo.

Sendo o futuro uma superposição de probabilidades e coincidências, ninguém pode estar consideradamente à frente do seu tempo.

Também não se pode parar no tempo, como acusam os mais jovens. As mãos invisíveis da existência nos empurram com sincronia atômica ao longo de nossa delimitada permanência mundana.

Tampouco conseguimos correr atrás do tempo perdido, são transitórias e acidentais as possibilidades desperdiçadas.

Nenhum de nós gasta o tempo à toa, o tempo é que à todos consome sem fazer considerações.

Não! Não se permita acreditar que os livros são eternos, que Shakespeare é imortal, que a genialidade é perdurável. Expanda os limítrofes de sua notação cronológica. Coloque, primeiramente, o infinito em oposição aos átimos que compõem sua vida. Depois, aos que possivelmente lhe restam à preencher.

Mas nem pense em se exasperar com a monstruosa desigualdade, a vida não é tão curta que não se possa desfrutá-la sossegado.

Quanto à Albert Einstein, ainda não posso afirmar se esteve ou não escrevendo abobrinhas. Já Marcel Proust, esse segue me iludindo irrepreensivelmente com seus belos relativismos.

***


“A meia altura de uma árvore indeterminada, um pássaro invisível empenhava-se em que fosse breve o dia, explorando com uma nota prolongada a solidão circundante, mas recebia desta uma réplica tão unânime, um contragolpe tão reduplicado de silêncio e imobilidade que dir-se-ia que ele acabava de parar para sempre o instante que procurava fazer passar mais depressa.” (No Caminho de Swan - Marcel Proust)

quinta-feira, junho 12, 2008

1992

Em 1992, Julian era o garoto mais popular entre as meninas da sexta e sétima série da Escola Ildefonso Simões Lopes, pertinentemente apelidada de Rural. Ele não era alto e nem atlético. Não era nerd e nem mauricinho. Mas tinha cabelos longos escuros, sedosamente encarolado nas pontas, e tinha um ar de rebeldia. Aos olhos fantasiosos das meninas, que em fase tão inicial de paixões se alimentam quase que exclusimante de exterioridades, Julian seduzia com pouco ou nada de empenho.

Karina era descuidada demais com a aparência para chamar a atenção com a beleza que lhe era própria. Tímida demais para interagir com outras turmas. Só conquistava a amizade dos colegas pela habilidade com os estudos. E era popular apenas entre os alunos do ensino de agronômia, já que era a única do nível fundamental à frequentar a biblioteca com a assiduidade dos alunos do grau técnico.

Julian e Karina não se falavam, mas tinham amigos em comum. Todo dia, após a aula, juntavam-se à outros pré-adolescentes nas escadarias do prédio da Litoral, única rádio de frequência modulada da cidade provinciana. Ali ficavam em vários grupinhos durante os trinta minutos antes do entardecer se esvair. Tomando sorvete, conversando alto, discutindo sobre provas, jogos e rumores escolares.

Karina suspirava, exatamente como suas coleguinhas do sexto ano, quando via Julian, mas não se imaginava andando de mãos dadas com ele como elas o faziam. O garoto do sétimo ano pairava nos sonhos de Karina como algo intocável. Apenas gostava de pensar nele, nos seus cabelos, no movimento de seus braços quando conversava. Não havia desejos nos pensamentos com que o cercava, apenas um admirar platônico. Não tinha ciúmes de seu sucesso em atrair namoradas porque não se visualizava em possibilidades de ser uma eleita das atenções do menino.

Julian gostava de Metallica, mas no questionário de lembranças de uma amiga, na folha sobre música preferida, ele respondeu:

More Than Words, Extreme

Karina gostava de Guns n' Roses, mas na linha logo abaixo da dele escreveu:

Never Tears Us Apart, INXS

Todo dia ela deixava bilhetinhos pedindo que uma das duas músicas tocasse no programa Litoral By Night, que todos ouviam porque o radialista, Taborda, lia os recadinhos deixados pelos alunos entre uma música e outra.

Seguidamente havia recadinhos para Julian, mas Karina nunca deixou uma única linha. Nem sequer considerava fazê-lo se escondendo no anonimato. Mal admitia para si mesma que o adorava com o doce julgamento que fazia dele. Mantinha em segredo seus sentimentos para não sofrer as dimensões da indiferença.

Contudo, quis o acaso que um dos colegas de Julian se enamorasse da sua colega Mariana, e os grupos se vincularam. A menina acanhada, sem censurar muito suas articulações, acabou por exceder a vergonha e fazer amizades. Julian e Karina travaram algumas conversas inexpressivas, nas quais Karina o tratava com muita atenção. Disfarçando, vez por outra, os sobressaltos de sua respiração e o embaraço de estar em sua presença como se sua própria vida dependesse desse fingimento. Para ela, Julian ainda era o inalcansável de sempre. Nem por um segundo desconfiou que o menino andava se exibindo mais que o natural.

Quando Mariana contou-lhe que Julian havia lhe confiado a tarefa de arranjar um encontro com ela às escondidas, Karina teve de repetir mentalmente a idéia algumas vezes até conseguir garantir ao seu incrédulo coração que tal acontecimento estava mesmo se realizando.

Preciosos são os corações das meninas, que se expremem e palpitam aflitos antes do esperado primeiro beijo. E descontrolados quando os lábios finalmente são tocados pelo menino que dá ritmo à suas batidas. Karina teve as duas sensações em uma só. Num único beijo. No primeiro. Nem na imaginação mais frutífera poderia ter sido mais sublime o momento.

Vulneráveis são todos os corações do mundo, que da fonte do amor bebendo, só do amor se ocupam. Karina sumiu da biblioteca. Se limitava à suspirar nas aulas de matemática. Converteu-se torcedora do Internacional para corresponder seu par romântico. Tudo era planos na espera de Karina.

Veio o segundo encontro dos beijos exaltados de saudade. O terceiro, dos beijos repletos de carinho. O dia dos namorados se aproximava. Tudo era espera nos planos de Karina.

Mas os encontros acabaram inexplicavelmente. Ficaram interrompidos nas expectativas inconfessas da menina.

Ao invés disso, no dia 12 de junho, um recadinho no rádio denunciou: Julian e Fabiane estavam juntos. E antes que a garota considerasse se sentir culpada pelas coisas que disse e deixou de dizer, como fazem constantemente os que amam sem medida, outro recadinho lhe comunicava que, desde o início daquele ano, o melhor amigo de Julian era perdidamente apaixonado por Karina.



Dedico este conto à Gabriel Daudt. Autor do conto 1984, que serviu de inspiração à esse.
Está aí, eis que consigo escrever contos! Não será premiado na Feira do Livro de Porto Alegre como foi o teu, mas foi escrito para retribuir-lhe o presente de natal que recebi em fevereiro. Espero que não decepcione.
Um grande abraço da sua ex-funcionária inexpansiva, fã ausente e dedicada amiga.

sábado, maio 31, 2008

REPLY TO ANDRE

In Public Mode
Amigo, outro dia te prescrevi, com rigor terapêutico, nomes de expressão existencialista dos quais considerei que te seriam úteis. Dentre eles, te disse eu que Kierkegaard seria mais de teu agrado por semelhanças que julgo ver em ti. Não foste?

Pois espero que ainda não tenhas seguido essa receita, e que esta réplica de nossa última conversa chegue à tempo de defender tua paciência de tal leitura. Perdoe tua amiga, que as vezes incorre no velho vício de dizer tolices sem prévia análise das particularidades.

De qualquer forma, o que desejo te dizer é que acredito que ninguém procura nos outros o que já tem em si mesmo. E por essa avaliação é que te indico agora outro nome daquele mesmo elenco.

Blaise Pascal, grande elaborador da matemática modernista, reponsável pelo tormento dos nossos jovens nas aulas de cálculo avançado. Leve esse nome para tua estante!

Como filósofo, esse mestre dos raciocínios lógicos era brutalmente dilúcido. Viveu na aurora existencialista e nela conviveu com perspicácia.

Tentei selecionar alguns pensamentos dele para dar-te um fragmento do que irás encontrar:

"Nada é tão insuportável ao homem, quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem negócios, sem divertimento, sem atividades. Ele então sente seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Imediatamente sairá do fundo de sua alma o tédio, o negrume, a tristeza, a aflição, o despeito, o desespero."

Podes concluir, pelo trecho acima, como ele resumiu bem o choque que a passagem do teocentrismo para o antropocentrismo causou nos homens de sua época. Uma vez que 'mataram deus', tiveram que amar o homem 'moralmente imperfeito' em si mesmos. Abandonaram o determinismo e tiveram que enfrentar o quanto eram responsáveis pelo mundo que tinham à sua volta.

Vejas como ele explora a necessidade do homem de buscar a glória e de viver na estima dos homens:

"O homem considera tão grande a razão do homem que, por mais vantagem que tenha sobre a Terra, se não estiver situado vantajosamente também na razão do homem, não se sente contente."

"Não nos contentamos com a vida que temos em nós e em nosso ser: queremos viver na idéia dos outros uma vida imaginária e, para isso, esforçamo-nos por fingir. Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar nosso ser imaginário e negligenciamos o verdadeiro(...). Grande marca do vazio de nosso próprio ser, não estar satisfeito com um sem o outro, e renunciar muitas vezes um pelo outro."

Acredito que já tenhas lido o suficiente. Se não, junte isso à boa receptividade com que sempre recebemos indicações mútuas e peça àquele teu senhorio livreiro para te arranjares um exemplar. Mando-te o meu pelos serviços de correspondência caso ele não encontre.

Encerrado esse tema, creio que estou à te dever notícias. O motivo de não tê-lo escrito nos últimos meses é que muitas coisas aconteceram e não o contrário. Mudei de emprego, mudei de atitudes, mudei de planos, mudei tantas coisas que a vontade de te escrever minhas longas cartas não acompanharam as mudanças por que passei.

Tu, que gostas tanto das turbulências incertas da vida, ficará feliz de saber que andei a dar passos largos no escuro das decisões espontâneas. Não passos inconsequentes como os de uma jovem impetuosa, mas passos descontraídos com a naturalidade que a experiência me permite.

Talvez já tenhas percebido que tenho postado com mais frequência. Só que não é apenas isso, estou escrevendo mais do que nunca na vida.

Não é um período criativo propriamente, é um período meramente produtivo. Estou transbordando o que passei mastigando nos últimos dois anos e meio aqui em Brasília.

Tenho cinco capítulos idealizados de um esboço do que parece ser um drama. Há sete personagens insignificantes entre si, é difícil dar-lhes vida. Dois capítulos quase escritos, mas bem escritos. Diagramas de espaço, tempo e genealógicos. Dois trabalhos de pesquisa sobre possíveis doenças de um personagem. Muitos trabalhos de pesquisa histórica, regional, profissões, comportamento. Há mais material do que narrativa, por enquanto. Especulo, escrevo, investigo, reescrevo. Estou me divertindo.

Apesar de todo esse trabalho, estou à procura de algo para ler e não sei dizer o quê é.

Talvez tenha outra bela indicação para dividires comigo, como aquela da Audrey Niffenegger no ano passado.

Tirei o aparelho ortodôntico e por causa de um clareamento dentário estou sem beber café há alguns dias. Tenho crises fortes de abstinência psicológica e comecei à esfregar as mãos compulsivamente. É hilário de se ver.

Não detalharei os pormenores da minha vida afetiva desta vez, seria uma repetição das coisas que já lestes anteriormente: muitas relutâncias, muitas desculpas esfarrapadas e poucas tentativas honestas.

Mas não me vestirei de vítima, não te preocupes.

Encontrei a música da Nina Simone da qual me falaste, tentei "compreender telepaticamente" como me pediste mas acho que acabei assimilando ela de acordo com as minhas vivências, com meu momento de meditação atual e com o que sei sobre a própria Nina Simone. Já reparaste como ouví-la nos torna mais suscetível à compreensão do sofrimento alheio?

É incrível, ela simplifica a dor como um viver de experiências inevitáveis. O homem não tem muito mais o que temer senão seus próprios medos. Os erros que comete contra seus verdadeiros desejos. As apostas emudecidas e pobres que faz para não arriscar seus sentimentos fatigados. A solidão de si mesmo.

Mas precisa sofrer as consequências de suas insuficiências para aprender isso. Para reconhecer que não há outro caminho para aprender isso.

Não somos seres teóricos afinal, como querem nos iludir as doutrinas do mundo.

Erro e tentativa são nossos melhores professores, concordas? Era nisso que pensavas, em algum nível, quando me falaste daquela música? Não importa. Disseste para eu ouví-la e dar vazão à minha imaginação, e foi o que fiz. Eis o resultado.

Queria dizer-te que foi místico ver seus amigos, namorada e lugares que percorres através de tuas impressões fotográficas. Poe neles um toque singelo muito encantador. Me faz enxergar os gestos mais simples e negligenciados da 'realidade' que nos cerca.

Por fim, envio este e-mail como post porque quis dividi-lo com outra pessoa que o quis ler.

E, claro, dissestes que andas de poucas palavras, mas enfim, não deixes de escrever! Suas mensagens e posts tornam para mim o mundo menos espesso.

Beijokas,

domingo, maio 25, 2008

aprendendo

Aprendendo I:

Em execução, o verbo aprender só existe mesmo no gerúndio!

Não devia nem haver outras formas de conjugação para esse verbo. Indicativo ou subjuntivo deveria-se sempre substituir pela sua forma gramaticalmente "inacabada".

As pessoas diriam:
"no segundo grau eu estava aprendendo matemática!"
"na faculdade estarei aprendendo lógica!"

Ninguém mais usaria os petulantes "aprendi" e "aprenderei". Usaríamos sempre o modesto "aprendendo".

Com o tempo, a consciência de que o conhecimento é amplo, e foge aos nossos limites de acumulá-lo, tornaria tudo um aprendizado constante.

E trocaríamos, automaticamente, sentenças como "estou vivendo minha vida", por "estou aprendendo à viver minha vida".

***


Aprendendo II:

Manhã gélida de inverno gaúcho. Anos 80. Meu pai tentava me tirar da cama para ir à escola. Acordei com a rabugice de sempre. Mas resmungando um pouco mais que o costume, confesso. Tendo sido apressada com palavras firmes e me sentindo contrariada, choraminguei:

"até quando vou ter que estudar?"

Meu pai, num ímpeto de impaciência, não querendo calcular o processo de ensino brasileiro, disparou:

"para sempre!"

Sim! Estudar é para a toda a vida! Não deveria existir mais outra resposta para essa pergunta que não fosse essa. Se esse conceito se enraizasse em nossas mentes, estaríamos sempre aprendendo mais.

Estaríamos aprendendo outras línguas. Aprendendo à mergulhar. Dançar. Tocar violão. Aprofundar uma matéria. Descobrir outra. Concluir as próximas etapas educacionais. Assar biscoitos. Yoga. Fotografia. Rapel. Mitologia. Beber Vinhos. Reconhecer pássaros. Fazer mágicas. Jogar gamão...

No diploma das pessoas, ao invés de se ler "bacharel em medicina veterinária", leríamos "estudante de medicina veterinária - bacharelado completo".

***


Aprendendo III:

Hoje, se me perguntares o que eu andei aprendendo ultimamente, não terei nenhuma novidade para dizer-te, àvido aprendiz-leitor.

Mas não te decepciones, assim antecipadamente! Pois cá, no meu teclado, tenho algumas palavras para te digitar.

Depois que descobrires em ti a riqueza de admitir que estás sempre aprendendo, comece a pensar, imediatamente, na idéia de reaprenderes o que julgas já saber.

Eu passei os últimos meses reaprendendo. E me sinto na obrigação de alertá-lo sobre a importância de fazer isso. Não apenas uma vez na vida. Não somente às vezes. Mas sempre que for necessário.

domingo, maio 18, 2008

o Outro

Tão valioso quanto compreender à si mesmo é reconhecer o outro como ser absoluto. Que precede e transcende ao conhecimento que temos dele.

Um outro ser é um outro universo. Infinito e mutável.

Observá-lo sem esse preceito é reduzí-lo à idéia que fazemos dele. É tratá-lo como matéria de estudo e não como fonte. Acabaremos ignorando, aos poucos, sua intangibilidade e o prenderemos em nossos conceitos. Nossa percepção irá negar-lhe a condição de indecifrável enigma, e ficaremos imunes à sua capacidade de nos demonstrar coisas novas. De nos surpreender com atitudes inesperadas.

Desejá-lo como objeto é limitá-lo a ser simples conteúdo do nosso universo. Mero personagem da nossa história. Quando, mais cedo ou mais tarde, nos der demonstração de sua bela e incensurável liberdade, sentiremos amargar em nossas bocas o gosto das nossas ilusões desfeitas.

Um outro ser é um mundo à se interagir. Que existe independentemente de nossa existência. E, portanto, interagir com ele é ultrapassar a barreira de restringi-lo ao nosso próprio saber e compreensão.

Para acolhê-lo, em sua inesgotabilidade, há que se ver a riqueza nas suas diferenças. O aprendizado em suas experiências. As possibilidades em suas idéias.

Para se estabelecer uma verdadeira comunição com ele, teremos de valorizar as trocas. Respeitar suas particularidades. Enxergar as tentativas de expor, além do que foi expresso.

A primeira coisa para o Homem é a idéia de si mesmo, e é por si que ele avalia o universo. Para romper a relação de superioridade para com o externo, é preciso vencer as insuficiências das formas de linguagem. E a tendência de presumir o que não sabemos.

O outro é um ser completo. Não é o que se diz ou pensa dele.

***

"O modo como o Outro se apresenta, ultrapassando a idéia do Outro em mim, chamamo-lo, de fato, rosto. Esta maneira não consiste em figurar como tema sob o meu olhar, em expor-se como um conjunto de qualidades que formam uma imagem. O rosto de Outrem destrói em cada instante e ultrapassa a imagem plástica que ele me deixa, a idéia à minha medida e à medida do seu ideatum – a idéia adequada. Não se manifesta por essas qualidades, mas kath'autó. Exprime-se." (Lévinas - Totalidade e Infinito)

quarta-feira, maio 14, 2008

crise de identidade

Tenho esse amigo pisciano que me fala sempre sobre suas características astrais e até me repassou seu horóscopo por e-mail no início da manhã, para que eu confirmasse o quanto havia de impressionante nas suas previsões. Acontece que eu, supostamente pisciana até hoje, sempre achei isso um blá blá muito chato.

Primeiro, porque nunca me enquadrei no perfil astrológico traçado para meu signo. Segundo, porque não tendo me enquadrado, não achava nada interessante os tais "conselhos para o período". Sempre muito distoantes e sem graça. Meu interesse nesse assunto se resumia com a palavra "nulo". E minha crença nas possíveis características comuns aos indivíduos com a palavra "bulshit".

Mas essa semana eu estou mais curiosa que o costume e resolvi dar mais uma chance ao tal zodíaco. Segui o link do e-mail que recebi e resolvi dar uma olhada mais próxima e ampla na brincadeira. O site exigia o cadastro para dar acesso às informações e lá vai a Lisa responder o nome, detalhes de localização, dia e a hora do nascimento, opções de spam... ufa! Quando carrega a pagina do usuário a surpresa! O perfil de uma ariana surgiu na tela!

Opa! Que falha de programação é essa?!

Sim. De início achei que o desenvolvedor do site tinha errado nos algorítimos por trás das páginas e eu tinha recebido o perfil errado. Mas ao ver a data confirmativa do signo, tive uma súbita revolta!

Fiz o que qualquer um faria. Fui para o google e exigi explicações!

Alguns links associavam 20 de março à peixes, outros à aries. Foi o wikipedia, como sempre, que resolveu o enigma e me tirou da crise de identidade astrológica. Tudo é movimentação de planetas, já diria meu professor de física. E porque eu nasci em 1980, e não em outro ano, sou ariana e não pisciana.

Ainda duvidando um pouco da historinha, resolvi ler sobre minha nova identidade. Qual não foi minha indignação quando constatei que passei vinte e oito anos lendo o horóscopo errado!

Affff!!! Por isso essa merda nunca dava certo comigo! Sempre me achei excluída das conversas ou mal interpretada quando dizia resumidamente "pisciana".

Agora tudo fez mais sentido! rsrs

Ok, ok. Eu ainda sou a mesma pessoa e nada mudou. Mas agora eu até que combino com o que esse povo da astrologia diz de mim:

Elemento: Fogo.
Qualidade: Cardinal.
Polaridade: Masculino.
Palavra-chave: Iniciativa.
Características Positivas: Entusiasta. Empreendedor. Destemido.
Características Negativas: Impaciente. Egoísta. Impulsivo.
ver mais...

quarta-feira, abril 23, 2008

quinta-feira, abril 17, 2008

Pretérito-Mais-Que-Perfeito

Entendo agora o saudosismo na poesia de Carlos Drummond. Só se pode decifrar um sentimento quando o colocamos na bagagem, afinal.

Não é peso, quero deixar claro, é, antes disso, coisa que compensa a carga.

Numa noite dessas, abandonada pelo sono e importunada por certa lástima, passei a percorrer o passado em busca de noites que pudessem sossegar tal vigília involuntária e me fazer adormecer na sensação invocada pela memória.

De início vieram múltiplices lembranças e acreditei que deveria me ater às mais calmas. Logo desisti por entender que não eram pungentes o suficiente para arrancar-me do presente.

Passei, então, a trazer ao meu travesseiro, numa tentativa que beirava o desespero, as noites mais voluptuosas que encontrava.

Para o desaponto de minha vontade de desmemória, os encantos dessas noites haviam se esvaído junto com os desejos aposentados. Só sobravam lembranças detalhadas de sentimentos que já não pertenciam à minha capacidade de percebê-los.

Cheguei a pensar nas noites ruins para testar seus poderes de sobrepujar aquela angústia última que me tirava o descanso. Mas nelas também não havia nada que não houvesse superado ou não observasse com o amor dos que sabem perdoar a si mesmos.

Piedoso amigo é o tempo, que nos leva os anos com o doce beijo da compensação.

Foi assim que decidi exumar uma coisa mais forte, e comecei a listar as noites mais felizes de minha vida. E foi quando tentei posicioná-las em ordem de importância que descobri, na infância, o esplendor máximo da vida.

Que suprema é a felicidade que se vive nesses anos de pouca covardia e vontades ativas de ventura!

Quando ainda não temos as vivencias de fracasso que tanto moldam, na vida adulta, nossas atitudes.

Apenas atenção nos basta e nossos desgostos duram pouco mais que alguns minutos. Verte a última lágrima e já o esquecimento nos rouba a atenção para nossos livrinhos de colorir. Volta-se à repintar a vida sem sentir a falta de nenhuma tonalidade.

Descobri, dentre muitas, enfim, a noite mais feliz de minha vida. Enterrada até então sobre os anos de inércia reflexiva. Caso estejam a querer saber, foi a última noite de minha infância. Se existe um marco entre fases da vida, minha infância terminou aí:

Era o último dia de aula do segundo ano do ensino fundamental. Dezembro de 88. Fiz uma apresentação de Fada Açucarada no encerramento escolar que deixaria Tchaikovsky desiludido e sorridente ao mesmo tempo.

Naquela tarde, iria viajar para a casa de praia da minha tia Eurides, irmã de meu pai. Passaria o período de férias com alguns primos na beira-mar. Férias era uma palavra relativamente nova para mim ainda, mas a esperava como algo fantástico.

Não consegui lembrar de absolutamente nada entre a saída da escola e a chegada no litoral. Mas à partir desse ponto, todos os detalhes se juntaram às emoções vivenciadas e flutuaram na superfície de minha consciência.

Chovia. As lajotas do caminho de entrada estavam escorregadias. A má iluminação das lâmpadas amarelo-incandescente da sala denunciavam que o agito naquele lugar se dava nas horas diurnas. Havia comida na mesa e a televisão estava ligada. Os adultos conversavam, eu observava e respondia. Não era muito tarde pois me deixaram ficar acordada algum tempo. Também não era cedo porque as portas das casas já estavam todas fechadas. Minha tia prenunciou:

"Amanhã teu primo e tua priminha viram aqui, moram logo ali, está vendo? Tem uma turminha legal da tua idade na rua. Vamos levantar cedo e caminhar na praia, que tal?"

Que promessas, em ouvidos amadurecidos, poderim garantir tanta segurança e preencher tão completamente os sonhos como essas que se fazem aos pequenos?

Me levaram ao quarto que seria só meu e quando repousei os cabelos dourados de anjinha no travesseiro, estava tão apaixonada por ser quem eu era e estar onde eu estava que não conseguia dormir. Não cabia em mim de tantos planos de felicidade que arquitetava para as minhas férias.

A janela do quarto dava para os fundos e, embora estivesse fechada, os vidros estavam abertos. Pelas frestas, o doce burburinho das vagas à se romper na arrebentação adentravam. O mar vinha pessoalmente namorar meus pensamentos e não conseguia acabar de tecer as alegrias que me esperavam.

Aquele verão foi explêndido, e mudou muita coisa em mim. Mas noite como aquela nunca se repetiu. Depois dela já não era mais infância. Depois dela vieram muitos sonhos, mas nunca de uma vez só. Nunca um sem fim de sonhar.

Foi na noite que atravessara sonhando acordada, que encontrei a felicidade que procurava.

Passei a minha noite angustiada nessa noite de menina. E quando levantei para o desjejum matinal, recordei-me das aulas de Drummond. Especificamente de um verso de um poema chamado Infância. Poema que a professora me fez ler em voz alta para toda a classe e achei tão sem graça como me senti o lendo.

Que verso! Que aula! Que professora! Que desoberta tardia de importâncias temos na vida! Tardia, enfim, mas não tarde demais...

Termino como termina o poema, como quero terminar um dia a vida. Com as rimas livres de um poema modernista:

 

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

Infância - Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, abril 01, 2008

Vaca Profana

Eu costumava ser tão analítica há poucos anos passados! Não, não estou à me orgulhar disso. E, em minha defesa, quero computar que precisei ouvir Desolation Road apenas uma única vez para perceber que Robert Allen Zimmerman era o artista americano mais relevante no século que acabou de expirar. E quando eu digo americano, eu bem queria atribuir-lhe a faixa continental. Mas se pessoas desafinam até quando estão a falar o mesmo idioma, quem haveria de condená-las quando precisam ultrapassar fronteiras linguísticas? Além disso, só se pode sustentar a crença individual e, inúmeras vezes, não se lucra fazê-lo por muito tempo.

Embora ainda sinta traços fortes de uma filosofia dicromática e não dialética em meus instintos, estou vencendo a decepção que isso sempre me purgou. Ora, não é isso mesmo o sinal de que a relação causa-consequencia se abre às contraditoriedades?

Sim, estou sendo mais vaporoza do que permite a sensatez. Não peço desculpas, no entanto. Acordei mesmo com a disposição de tagarelar sem cerimônia. Quem põe os móveis p'ra fora limpa melhor a casa, dizia minha avó que não conheci.

Naqueles anos passados de que falei no início, minha melhor amiga era uma tal Emily Dickinson que nasceu em 1830. Ao contrário do que parece ser, foi ela quem me escolheu para amiga e não eu à ela. Logo no primeiro verso, me convocou:

I'm Nobody! Who are you?
Are you – Nobody – too?


Soube logo que se tratava de uma singular mulher à tentar comunicação com outras. Quis lhe prestar as honras nesse último dia 8 de março que passou, mas esse foi um dia de oportunidades perdidas. Farei uso, então, do 1º de abril, mesmo correndo o risco de ser mal interpretada:

Emily, we all can understand you.
Now, they are also - Nobody - too.


Sim, todos na mesma embarcação! Tenta-se decidir ainda a direção. Há momentos que penso que vão todos se afogar tal Virgínia Woolf. Mas acho que é só para sentir o sabor impiedoso e reedificante de descobrir que posso estar errada. Lembro-me agora que sempre quis citar Virgínia aqui:

“Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial.

Escrever para si mesmo, sem dúvida, é coisa para gente ousada. E, (in)felizmente, o anônimato faz muita ousadia paracer modesta. De qualquer forma, o dia das mulheres já perdeu o sentido para mim. Não me sinto mais mulher do que qualquer homem e nunca gostei dessa distância de gêneros. Mas também com isso já não me importo. Uma coisa só é fardo se você tentar carregá-la e esse eu já deixei para trás.

Aliás, também quis comentar com alguém que havia muitos homens na minha última visita ao consultório ginecológico. Homens perfeitamente grávidos! Bom, muitos não é uma palavra precisa. Muitos significa apenas que é mais de um e que existem. Para ser sincera, esperava encontrar mais depois que pensei um pouco sobre o assunto.

Um vez eu cheguei a tentar uma lista das mulheres que admiro. Nessa lista havia nomes como Caetano Veloso, Goethe e Charlie Kaufman. Faz sentido - concluí - na lista de homens que admiro poderia incluir nomes como Elis Regina, Tarcila do Amaral e Sapho. A androgenia de moralidade desnuda desses indivíduos me faz querer colocá-los numa lista só para eles. Só para mim.

Também já quis fazer uma lista de intelectuais que ultrapassaram o conhecimento de sua época e não se distanciaram das massas. De filósofos comtemporâneos que não temem dar linhas ao biocentrismo. De músicos realmente engajados com a arte da música...

Há tantos exemplos incoerentes para se evitar, que tenho dificuldades para equilibrar-me sobre os referenciais.

Bem, preciso me despedir. Estão à bater na porta. Imagino que seja meu amor-próprio voltando do castigo que lhe dei. Já estou até vendo! Vai entrar pela porta remendado e cantando nossa canção favorita:

“Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Inscrevo assim minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada”
«continua...»

quinta-feira, março 20, 2008

Equinócio

tenho mesmo que sair da cama? pensei enquanto abria os olhos.

sim, tenho. mas por quê mesmo? insisti na imobilidade.

o telefone começou a bipar mensagens carinhosas chegando.

deslizei os pés para o chão e iniciei o passo-à-passo diário.

ao passar pelo espelho, uma inevitável inspeção:

uma enfermidade recente me levou de volta aos 46 quilos que tinha aos 14.

uma nostalgia de véspera me trouxe os cabelos pretos que agitava aos 18.

nada mal para quem está completando 28 - penso.

hoje!

vinte dias de março...

dia que eu nasci. que meu irmão quebrou meu braço. que o prefeito faleceu em frente à nossa casa.

tudo isso pescou a memória obstinada de meu velho pai.

mas tem mais uma coisa. o quê é?

einstein apresentou a teoria da relatividade nesse dia...

uma brisa gélida entra pela janela, e me abraça docemente.

sim, hoje!

dia e noite terão mesma duração. o sol desliza pelo equador celeste.

na rua observo o dia ainda cromatizado pelo sopro da expressão estival.

há algumas nuvens indecisas no horizonte.

a luz está mudando de um círculo polar para o outro.

a vida sorri na essencialidade de seus ciclos contraditórios.

um esquecido Tom correu-me as veias e despejou-se no coração:

para uns, promessa de primavera. para outros, princípio outonal.

enquanto o pulsar me subia aos ouvidos as batidas do refrão:

"são as águas de março fechando o verão..."



O Tom Jobim fez as duas letras:
jazz-inglês-primavera. bossa-português-outono.

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Há saída para o existencialismo?

Foi o que o Jorge perguntou. Não perguntou, de fato. Pensou consigo e, como alguém que “pensa alto”, comentou no indigitável.

Ora, será que é comigo? – acordou rapidamente meu eu-sabichão.

Após dois segundos de petulância incontida, passei eu mesma a percorrer as estradas que encaminharam o homem ao sentimento existencialista, e, por sentido oposto, remetê-lo-iriam à saída.

De onde viemos? E para onde vamos?

Ocidente e Oriente já tiveram suas respostas engatilhadas para essas questões. Nem sempre essas respostas eram homogêneas dentro dos respectivos hemisférios, mas estavam lá. Prontas para serem disparadas.

No Ocidente, porém, após um período de instabilidade política, reuniu-se o contingente sob o telhado de uma doutrina religiosa e universalista que não admitia diversidade nem contradições na sua interpretação da vida. E o fatalismo aconchegado nesse modo de pensar impediu, por muito tempo, que se lançassem dúvidas sobre o assunto.

Mas a natureza do homem, que sempre o leva à questionar as leis que lhe regem, acabou por atravessar os véus do poder despótico e, ao romper essa opressão, sentiu a bofetada das questões existencialistas lhe acertarem pesadamente a cara.

Uma torrente de cientificismo correu o mundo em busca de esclarecimentos, mas na medida em que elucidava as questões de ordem natural, mergulhava cada vez mais o homem em abstrações e perplexidade diante do inexplicável que, então, apresentou-se em proporções incomensuráveis.

De modo sucinto, o sentimento existencialista pode ser descrito como o efeito emocional desencadeado por toda a variedade de incertezas que envenenam a existência humana. Foi Sartre quem, pela primeira vez, usou o termo para se referir ao fluxo filosófico do qual ele mesmo acabou sendo o maior di-vulgarizador.

Não se engane, o existencialismo não é um sentimento exclusivo dos a-teístas. O próprio Sartre era cristão seguro!

O existencialismo se manisfesta quando a crença de um indivíduo ou de uma sociedade vacila. A saída tanto pode ser libertar-se das crenças como agarrar-se à elas sem contestar.

Mas, quantos homens são realmente capazes de fazer uma coisa ou outra sem fraquejar? E que sociedade estaria em pleno acordo para um tal feito por livre decisão?

A dúvida existêncial parece ser a verdadeira alma do homem. Não há saída em vida.

O existencialismo, como escola do pensamento, não surgiu para os teístas afirmarem uma verdade absoluta. Nem para os a-teísta contestarem ela. Ele está entre ambos para lembrá-los que não há respostas para todas as perguntas. É o sentimento comum que une a humanidade. Explorá-lo é expor, talvez para que perdoemos uns aos outros, aquilo de que todos sofremos: ignorância.