sábado, maio 31, 2008

REPLY TO ANDRE

In Public Mode
Amigo, outro dia te prescrevi, com rigor terapêutico, nomes de expressão existencialista dos quais considerei que te seriam úteis. Dentre eles, te disse eu que Kierkegaard seria mais de teu agrado por semelhanças que julgo ver em ti. Não foste?

Pois espero que ainda não tenhas seguido essa receita, e que esta réplica de nossa última conversa chegue à tempo de defender tua paciência de tal leitura. Perdoe tua amiga, que as vezes incorre no velho vício de dizer tolices sem prévia análise das particularidades.

De qualquer forma, o que desejo te dizer é que acredito que ninguém procura nos outros o que já tem em si mesmo. E por essa avaliação é que te indico agora outro nome daquele mesmo elenco.

Blaise Pascal, grande elaborador da matemática modernista, reponsável pelo tormento dos nossos jovens nas aulas de cálculo avançado. Leve esse nome para tua estante!

Como filósofo, esse mestre dos raciocínios lógicos era brutalmente dilúcido. Viveu na aurora existencialista e nela conviveu com perspicácia.

Tentei selecionar alguns pensamentos dele para dar-te um fragmento do que irás encontrar:

"Nada é tão insuportável ao homem, quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem negócios, sem divertimento, sem atividades. Ele então sente seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Imediatamente sairá do fundo de sua alma o tédio, o negrume, a tristeza, a aflição, o despeito, o desespero."

Podes concluir, pelo trecho acima, como ele resumiu bem o choque que a passagem do teocentrismo para o antropocentrismo causou nos homens de sua época. Uma vez que 'mataram deus', tiveram que amar o homem 'moralmente imperfeito' em si mesmos. Abandonaram o determinismo e tiveram que enfrentar o quanto eram responsáveis pelo mundo que tinham à sua volta.

Vejas como ele explora a necessidade do homem de buscar a glória e de viver na estima dos homens:

"O homem considera tão grande a razão do homem que, por mais vantagem que tenha sobre a Terra, se não estiver situado vantajosamente também na razão do homem, não se sente contente."

"Não nos contentamos com a vida que temos em nós e em nosso ser: queremos viver na idéia dos outros uma vida imaginária e, para isso, esforçamo-nos por fingir. Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar nosso ser imaginário e negligenciamos o verdadeiro(...). Grande marca do vazio de nosso próprio ser, não estar satisfeito com um sem o outro, e renunciar muitas vezes um pelo outro."

Acredito que já tenhas lido o suficiente. Se não, junte isso à boa receptividade com que sempre recebemos indicações mútuas e peça àquele teu senhorio livreiro para te arranjares um exemplar. Mando-te o meu pelos serviços de correspondência caso ele não encontre.

Encerrado esse tema, creio que estou à te dever notícias. O motivo de não tê-lo escrito nos últimos meses é que muitas coisas aconteceram e não o contrário. Mudei de emprego, mudei de atitudes, mudei de planos, mudei tantas coisas que a vontade de te escrever minhas longas cartas não acompanharam as mudanças por que passei.

Tu, que gostas tanto das turbulências incertas da vida, ficará feliz de saber que andei a dar passos largos no escuro das decisões espontâneas. Não passos inconsequentes como os de uma jovem impetuosa, mas passos descontraídos com a naturalidade que a experiência me permite.

Talvez já tenhas percebido que tenho postado com mais frequência. Só que não é apenas isso, estou escrevendo mais do que nunca na vida.

Não é um período criativo propriamente, é um período meramente produtivo. Estou transbordando o que passei mastigando nos últimos dois anos e meio aqui em Brasília.

Tenho cinco capítulos idealizados de um esboço do que parece ser um drama. Há sete personagens insignificantes entre si, é difícil dar-lhes vida. Dois capítulos quase escritos, mas bem escritos. Diagramas de espaço, tempo e genealógicos. Dois trabalhos de pesquisa sobre possíveis doenças de um personagem. Muitos trabalhos de pesquisa histórica, regional, profissões, comportamento. Há mais material do que narrativa, por enquanto. Especulo, escrevo, investigo, reescrevo. Estou me divertindo.

Apesar de todo esse trabalho, estou à procura de algo para ler e não sei dizer o quê é.

Talvez tenha outra bela indicação para dividires comigo, como aquela da Audrey Niffenegger no ano passado.

Tirei o aparelho ortodôntico e por causa de um clareamento dentário estou sem beber café há alguns dias. Tenho crises fortes de abstinência psicológica e comecei à esfregar as mãos compulsivamente. É hilário de se ver.

Não detalharei os pormenores da minha vida afetiva desta vez, seria uma repetição das coisas que já lestes anteriormente: muitas relutâncias, muitas desculpas esfarrapadas e poucas tentativas honestas.

Mas não me vestirei de vítima, não te preocupes.

Encontrei a música da Nina Simone da qual me falaste, tentei "compreender telepaticamente" como me pediste mas acho que acabei assimilando ela de acordo com as minhas vivências, com meu momento de meditação atual e com o que sei sobre a própria Nina Simone. Já reparaste como ouví-la nos torna mais suscetível à compreensão do sofrimento alheio?

É incrível, ela simplifica a dor como um viver de experiências inevitáveis. O homem não tem muito mais o que temer senão seus próprios medos. Os erros que comete contra seus verdadeiros desejos. As apostas emudecidas e pobres que faz para não arriscar seus sentimentos fatigados. A solidão de si mesmo.

Mas precisa sofrer as consequências de suas insuficiências para aprender isso. Para reconhecer que não há outro caminho para aprender isso.

Não somos seres teóricos afinal, como querem nos iludir as doutrinas do mundo.

Erro e tentativa são nossos melhores professores, concordas? Era nisso que pensavas, em algum nível, quando me falaste daquela música? Não importa. Disseste para eu ouví-la e dar vazão à minha imaginação, e foi o que fiz. Eis o resultado.

Queria dizer-te que foi místico ver seus amigos, namorada e lugares que percorres através de tuas impressões fotográficas. Poe neles um toque singelo muito encantador. Me faz enxergar os gestos mais simples e negligenciados da 'realidade' que nos cerca.

Por fim, envio este e-mail como post porque quis dividi-lo com outra pessoa que o quis ler.

E, claro, dissestes que andas de poucas palavras, mas enfim, não deixes de escrever! Suas mensagens e posts tornam para mim o mundo menos espesso.

Beijokas,

domingo, maio 25, 2008

aprendendo

Aprendendo I:

Em execução, o verbo aprender só existe mesmo no gerúndio!

Não devia nem haver outras formas de conjugação para esse verbo. Indicativo ou subjuntivo deveria-se sempre substituir pela sua forma gramaticalmente "inacabada".

As pessoas diriam:
"no segundo grau eu estava aprendendo matemática!"
"na faculdade estarei aprendendo lógica!"

Ninguém mais usaria os petulantes "aprendi" e "aprenderei". Usaríamos sempre o modesto "aprendendo".

Com o tempo, a consciência de que o conhecimento é amplo, e foge aos nossos limites de acumulá-lo, tornaria tudo um aprendizado constante.

E trocaríamos, automaticamente, sentenças como "estou vivendo minha vida", por "estou aprendendo à viver minha vida".

***


Aprendendo II:

Manhã gélida de inverno gaúcho. Anos 80. Meu pai tentava me tirar da cama para ir à escola. Acordei com a rabugice de sempre. Mas resmungando um pouco mais que o costume, confesso. Tendo sido apressada com palavras firmes e me sentindo contrariada, choraminguei:

"até quando vou ter que estudar?"

Meu pai, num ímpeto de impaciência, não querendo calcular o processo de ensino brasileiro, disparou:

"para sempre!"

Sim! Estudar é para a toda a vida! Não deveria existir mais outra resposta para essa pergunta que não fosse essa. Se esse conceito se enraizasse em nossas mentes, estaríamos sempre aprendendo mais.

Estaríamos aprendendo outras línguas. Aprendendo à mergulhar. Dançar. Tocar violão. Aprofundar uma matéria. Descobrir outra. Concluir as próximas etapas educacionais. Assar biscoitos. Yoga. Fotografia. Rapel. Mitologia. Beber Vinhos. Reconhecer pássaros. Fazer mágicas. Jogar gamão...

No diploma das pessoas, ao invés de se ler "bacharel em medicina veterinária", leríamos "estudante de medicina veterinária - bacharelado completo".

***


Aprendendo III:

Hoje, se me perguntares o que eu andei aprendendo ultimamente, não terei nenhuma novidade para dizer-te, àvido aprendiz-leitor.

Mas não te decepciones, assim antecipadamente! Pois cá, no meu teclado, tenho algumas palavras para te digitar.

Depois que descobrires em ti a riqueza de admitir que estás sempre aprendendo, comece a pensar, imediatamente, na idéia de reaprenderes o que julgas já saber.

Eu passei os últimos meses reaprendendo. E me sinto na obrigação de alertá-lo sobre a importância de fazer isso. Não apenas uma vez na vida. Não somente às vezes. Mas sempre que for necessário.

domingo, maio 18, 2008

o Outro

Tão valioso quanto compreender à si mesmo é reconhecer o outro como ser absoluto. Que precede e transcende ao conhecimento que temos dele.

Um outro ser é um outro universo. Infinito e mutável.

Observá-lo sem esse preceito é reduzí-lo à idéia que fazemos dele. É tratá-lo como matéria de estudo e não como fonte. Acabaremos ignorando, aos poucos, sua intangibilidade e o prenderemos em nossos conceitos. Nossa percepção irá negar-lhe a condição de indecifrável enigma, e ficaremos imunes à sua capacidade de nos demonstrar coisas novas. De nos surpreender com atitudes inesperadas.

Desejá-lo como objeto é limitá-lo a ser simples conteúdo do nosso universo. Mero personagem da nossa história. Quando, mais cedo ou mais tarde, nos der demonstração de sua bela e incensurável liberdade, sentiremos amargar em nossas bocas o gosto das nossas ilusões desfeitas.

Um outro ser é um mundo à se interagir. Que existe independentemente de nossa existência. E, portanto, interagir com ele é ultrapassar a barreira de restringi-lo ao nosso próprio saber e compreensão.

Para acolhê-lo, em sua inesgotabilidade, há que se ver a riqueza nas suas diferenças. O aprendizado em suas experiências. As possibilidades em suas idéias.

Para se estabelecer uma verdadeira comunição com ele, teremos de valorizar as trocas. Respeitar suas particularidades. Enxergar as tentativas de expor, além do que foi expresso.

A primeira coisa para o Homem é a idéia de si mesmo, e é por si que ele avalia o universo. Para romper a relação de superioridade para com o externo, é preciso vencer as insuficiências das formas de linguagem. E a tendência de presumir o que não sabemos.

O outro é um ser completo. Não é o que se diz ou pensa dele.

***

"O modo como o Outro se apresenta, ultrapassando a idéia do Outro em mim, chamamo-lo, de fato, rosto. Esta maneira não consiste em figurar como tema sob o meu olhar, em expor-se como um conjunto de qualidades que formam uma imagem. O rosto de Outrem destrói em cada instante e ultrapassa a imagem plástica que ele me deixa, a idéia à minha medida e à medida do seu ideatum – a idéia adequada. Não se manifesta por essas qualidades, mas kath'autó. Exprime-se." (Lévinas - Totalidade e Infinito)

quarta-feira, maio 14, 2008

crise de identidade

Tenho esse amigo pisciano que me fala sempre sobre suas características astrais e até me repassou seu horóscopo por e-mail no início da manhã, para que eu confirmasse o quanto havia de impressionante nas suas previsões. Acontece que eu, supostamente pisciana até hoje, sempre achei isso um blá blá muito chato.

Primeiro, porque nunca me enquadrei no perfil astrológico traçado para meu signo. Segundo, porque não tendo me enquadrado, não achava nada interessante os tais "conselhos para o período". Sempre muito distoantes e sem graça. Meu interesse nesse assunto se resumia com a palavra "nulo". E minha crença nas possíveis características comuns aos indivíduos com a palavra "bulshit".

Mas essa semana eu estou mais curiosa que o costume e resolvi dar mais uma chance ao tal zodíaco. Segui o link do e-mail que recebi e resolvi dar uma olhada mais próxima e ampla na brincadeira. O site exigia o cadastro para dar acesso às informações e lá vai a Lisa responder o nome, detalhes de localização, dia e a hora do nascimento, opções de spam... ufa! Quando carrega a pagina do usuário a surpresa! O perfil de uma ariana surgiu na tela!

Opa! Que falha de programação é essa?!

Sim. De início achei que o desenvolvedor do site tinha errado nos algorítimos por trás das páginas e eu tinha recebido o perfil errado. Mas ao ver a data confirmativa do signo, tive uma súbita revolta!

Fiz o que qualquer um faria. Fui para o google e exigi explicações!

Alguns links associavam 20 de março à peixes, outros à aries. Foi o wikipedia, como sempre, que resolveu o enigma e me tirou da crise de identidade astrológica. Tudo é movimentação de planetas, já diria meu professor de física. E porque eu nasci em 1980, e não em outro ano, sou ariana e não pisciana.

Ainda duvidando um pouco da historinha, resolvi ler sobre minha nova identidade. Qual não foi minha indignação quando constatei que passei vinte e oito anos lendo o horóscopo errado!

Affff!!! Por isso essa merda nunca dava certo comigo! Sempre me achei excluída das conversas ou mal interpretada quando dizia resumidamente "pisciana".

Agora tudo fez mais sentido! rsrs

Ok, ok. Eu ainda sou a mesma pessoa e nada mudou. Mas agora eu até que combino com o que esse povo da astrologia diz de mim:

Elemento: Fogo.
Qualidade: Cardinal.
Polaridade: Masculino.
Palavra-chave: Iniciativa.
Características Positivas: Entusiasta. Empreendedor. Destemido.
Características Negativas: Impaciente. Egoísta. Impulsivo.
ver mais...