quinta-feira, julho 24, 2008

Identidade

Não raro, ocorre-me um desses sopros de memória em que um evento, outrora parcamente abstraído, apresenta-se surpreendentemente como peça central de um quebra-cabeças que há muito aguarda desfecho.

Ontem mesmo o ressurgir casual de uma frase, aparentemente simplória, desencadeou uma série de ligações que deveriam estar evidentes, mas que, até então, se figuravam independentes para meu processo investigativo sobre a construção da identidade individual.

Em verdade, da frase, só o reluzir deste fragmento lido em uma revista foi que me incendiou o pensamento:

“Tenho lembranças e não saudades”

O supracitado é assisada declaração de Mário Lago às vésperas de completar 90 anos. Pouco menos de meio ano teve ele de vida após tê-la pronunciado, mas a palavra ainda respirava em meu pensamento e, creio, ainda produzirá reações quando eu já estiver me juntado ao seu artífice na poeira do mundo.

De início, devo ter apenas julgado um sentido de aderência ao presente contido na sentença. E talvez assim o tenha sido. Mas posso assegurar que nada é o que é, apenas. O explícito é somente a face superficial dos sentimentos e ideais que o moldaram.

A idéia de um presente que regozija o passado sem apegos, a ponto de não desejá-lo ao alcance de uma reforma ou sonhar revivê-lo, pressupõe uma autoconfiança capaz de tomar decisões comprometidas com o futuro. E um reconhecer honesto das intencionalidades dentro das próprias atitudes.

Não foi o semblante envelhecido, que o recapitular da memória me trouxe do autor, que me fez desconfiar de significados mais íntimos no seu discurso. Foi a temperança e a poesia implícitas em sua figura e em seu trabalho ao longo dos anos. Presente desde suas primeiras composições.

O autoconhecimento é que concede uma identidade coesa. É isso que nos faz desfrutar com confiança o momento de proveito. E ultrapassar com tranquilidade as horas indistintas da vida.

É evidente que, com o suceder dos anos, todos somos obrigados a encarar a prática da autoconsciência. Só que a postura de esperar que isso aconteça de forma inconsciente, não seria assumir um comportamento irresponsável por si mesmo?

Um hoje sem saudades me faz pensar num hoje pacificado com a conformidade do ser. Conhecer e compor o caos interno é o que salva a alma do abismo fatalista que parece circundar a existência humana.




   Você já se analisou hoje?

quarta-feira, julho 09, 2008

Bucket List

É o nome do filme mais recente do Rob Reiner. Morgan Freemam e Jack Nicholson aparecem na telona em papéis que lembram a saudosa dupla Jack Lemon e Walter Mattau. Não altera nada dizer que a Bucket List é, como já devem figurar, uma lista de desejos à realizar antes de "partir".

O que sucede é que, depois de ver esse filme, o sujeito passa a pensar na sua própria bucket list, e isso me deixou um tanto inquieta.

Sempre pensei que seria uma dessas pessoas com uma lista interminável de coisas à fazer em vida. Mas quando tentei listá-las, descobri que não sabia o que elencar nela.

Lembrei angustiada de um relato de Filosofia Clínica sobre um paciente que planejava suas férias de verão na quente e badalada Califórnia e que, quando o verão chegava, não viajava. Ao invés disso, começava a planejar as férias de inverno em Detroit.

Mas não tenho nada com esse caso, o paciente em questão vivia dos planos, e eu, sem planejar.

A explicação é a de sempre: não penso na morte.

Que triste é não pensar nela, no fim das contas. Andar à existir feito um desponderado Ivan Ilitch. Deixando a vida andar desatenta nos trilhos do acaso e dos descasos.

Além disso, para fazer minha bucket list, descobri que precisava comprometer outras pessoas. Pessoas dispostas à compartilhar meus planos e à partilhar o delas.

Por último, tive que vencer o embaraço de sustentar em público minha teimosia de querer realizar coisas que parecem impossíveis. Afinal, já provei que muitas coisas eram possíveis por conta disso, não é?

Assim, surgiu a lista. E provavelmente meu futuro, que será delineado pelo desejo de riscá-la linha por linha:

1. Voar num balão de ar quente com meu pai sobre a praia de Torres durante o festival de balonismo;

2. Realizar três desejos em um só com minhas sobrinhas, Amanda e Alexandra, no Magic Kingdom do Walt Disney World;

3. Passar meu aniversário de 30 anos no Hawaii, surfando numa Longboard se possível;

4. Ler os 89 títulos que compoem a Comédia Humana, de Balzac;

5. Experimentar todos os vinhos do mundo, ou pelo menos um de cada nacionalidade;

6. Ter um Maine Coon de estimação;

7. Jurar amor eterno, como Tom Sawyer e Becky Thatcher no livro de Mark Twain;

8. Passar um período de férias inteiro na praia com a Lilian, possivelmente em Garopaba;

9. Voltar a dançar;

10. Escrever até o último dia;

11. Passar uma tarde no Central Park e ouvir jazz no Café Carlyle à noite (Gabriel, você ta nessa?);

12. Plantar minhas próprias flores e ter no mínimo 20 tipos diferentes;

13. Acertar, pelo menos, as 14 categorias que mais gosto de uma edição do Oscar (esse ano acertei 11 delas);

14. Ver ao vivo Bob Dylan, Paul MacCartney e Eric Clapton;

15. Fazer guerra de neve com meu(s) filho(s), na Postdamer Platz em Berlim.